Para comemorar os 30 anos do lançamento de Sonic: the Hedgehog em 23 de junho de 1991, republicamos nossa matéria sobre o real contexto histórico que fez surgir um dos games mais curiosos da história, fruto de uma ação não puramente orgânica, mas derivada de uma verdadeira estratégia de guerra econômica dentro da indústria dos jogos eletrônicos. Em uma geração protagonizada pela guerra dos consoles, onde o marketing e a propaganda não tinha rédeas, conheça um pouco mais da criação, da estratégia e do impacto cultural que a SEGA gerou a partir de Sonic, o porco-espinho, nos anos 90.
O início desta década se deu com importantes mudanças na economia. Os países estavam abandonando o modelo comunista ou socialista para abraçarem o neoliberalismo. A União soviética sucumbia ao capitalismo dando fim à guerra fria. O mundo entendia o significado da palavra globalização e deixava de segregar os continentes por sua linha equatorial. Países criavam alianças, como os da América Latina e o Mercosul. Entretanto continuávamos à sombra das superpotências e seu poderio bélico, na briga pelo petróleo.
Talvez esse poder de libertação dos países e a sensação de ter a possibilidade de trilhar seu próprio caminho gerou uma consciência global de autonomia e articulação, deixando abertas as portas para a livre exploração de mercados. E um deles era o de tecnologia, mais precisamente brinquedos eletrônicos. Exatamente os videogames.
Coincidentemente, a Nintendo, representando toda a nação nipônica, havia se vingado da bomba de Hiroshima e Nagasaki com a catequização do povo americano através de Super Mario Bros., gerando assim um império mundial no mercado de videogames, uma vez que todo o continente ocidental sofria aculturação pelos americanos. Isso proporcionou à empresa aproveitar a nova fase da economia mundial e massificar seus produtos.
Os videogames, que pulavam de geração (terceira para a quarta), já estavam proporcionando aos consumidores caseiros as mesmas experiências dos arcades. Fazia todo sentido montar um negócio com aluguel de videogames, já que eram mais baratos e se podia trocar um cartucho, diferente dos seus tipos concorrentes. As locadoras de videogames se tornavam negócios extremamente rentáveis e incomodavam as lojas especializadas de fliperamas nos shoppings. Empresas produtoras de arcades focavam seus esforços em produzir mais entretenimento para os videogames, uma vez que sua penetração era mais viável.
Coube a uma dessas empresas, a SEGA, fazer nascer a nova quarta geração. Em 1988 o Mega Drive já estava disponível nas casas do Japão, 1989 na América e 1990 no Brasil. E entender a SEGA é dividi-la em duas: seus escritórios na América e no Japão. Enquanto que no mercado japonês tudo ia de vento em polpa, na América o Master System não tinha uma boa aceitação, exceto Brasil e alguns países da Europa. Lembrando mais uma vez: a ordem econômica da vez era explorar mercados.
Dessa forma a SEGA contratou Tom Kalinske para dirigir a empresa, a partir do seu brilhante trabalho nos EUA com a boneca Barbie, He-Man e a franquia de brinquedos da Mattel. Kalinske fez com que a Sega pulasse de um faturamento de U$72 milhões para U$1.5 bilhões. Ele era conhecido por seu marketing agressivo e visão de mercado ampla. Em entrevista, Tom afirma:
“Lembre-se que , em 1990 , a indústria foi dominada pela Nintendo, com uma quota de mercado de 95 por cento”, disse ele. ” NEC e SEGA eram pequenas. Editores de terceiros tinham medo de dar suporte a qualquer outra empresa que não a Nintendo por medo de serem punidas pela Nintendo. O perfil do jogador médio era de 12 anos de idade. Os varejistas também estavam relutantes em revender qualquer outro sistema se não um NES, e o tamanho total do mercado era de alguns bilhões de dólares” .
Segundo Kalinske, o SEGA Genesis (nome escolhido para o Mega Drive nos EUA), quando fosse lançado, teria foco em conteúdo para adolescentes, com jogos de franquias de esporte e ação por exemplo. Dessa forma ele ampliaria mais o tipo de público consumidor. A cultura da época não era tão careta como os dias de hoje. No cinema, na TV e nos quadrinhos tudo era mais permitido. Ofensas, piadas e muitas munição. Kalinske fez uso da sua melhor arma: o personagem Sonic.
“Nós mudamos muito, tirando sarro da Nintendo em publicidade como um sistema ultrapassado e desenhado para crianças”, disse Kalinske. ” E, claro, encabeçando com Sonic the Hedgehog, que realmente demonstrou a superior velocidade, som e gráficos do Genesis.”
Existem muitas curiosidades sobre o personagem Sonic. Ele não foi criado por Tom Kalinske nem por qualquer um da SEGA of America. A criação foi japonesa, e muitos dos seus protótipos foram usados em outros jogos da SEGA. Naoto Ohshima foi o responsável pelo visual do personagem mas foi Yuji Naka que proporcionou a construção do arquétipo central do personagem: ousadia. Naka desenvolveu o algoritmo que pudesse de forma fluida fazer objetos em grande velocidade se deslocarem de forma curvilínea na tela. Então o personagem deste jogo deveria girar em seu próprio eixo em uma plataforma determinada por um caminho.
“Mr. Needlemouse”, como era chamado o personagem nos demos, se tornou o porco espinho mais conhecido do mundo. A cor azul rememora a marca da SEGA. Sapatos e luvas inspiradas no rei do pop, Michael Jackson e um vermelho contrastante para chocar. Inicialmente Sonic teria presas, um desenho um pouco mais pontiagudo e teria uma namorada sexy, Madonna. Tom Kalisnke, recém chegado na empresa e que já tinha viajado para o Japão para mostrar sua estratégia aos membros asiáticos da companhia solicitou as mudanças para o personagem que conhecemos hoje. O próprio lado japonês da SEGA acabou concordando que as mudanças foram pra melhor.
É claro que foram, o Mega Drive já não estava com toda sua força em 1990, pois o Super Nintendo já havia batido recordes de vendas, e Super Mario World mais uma vez despontava como o jogo favorito das locadoras. 90% do mercado mundial era da Nintendo. O mascote da SEGA, Alex Kidd, claramente não teria condições de desbancar Mario e sua turma. Por carisma, empatia, e principalmente fluidez. Acredite: fluidez é um conceito do game design muito importante para o sucesso de um jogo digital. Apenas para resumir, nos jogos da terceira geração foco é essencial. E o foco dos jogos de plataforma era pular. Comparando o pulo de Super Mario com o de Alex Kidd, percebe-se a discrepante diferença. E essa é uma comparação representacional, não superficial.
O que Ohshima e Naka não perceberam é que tinham transformado um excelente algoritmo em uma arma de marketing letal usada por Tom Kalinske. Todos os especialistas sabiam que o Mega Drive era inferior em quase tudo comparado com o Super Nintendo (que perdia apenas em processamento). A estratégia de levar Sonic como mascote da SEGA veio do apelo diferencial do personagem parecer ter mais cores por causa do contraste de tons. Da sensação de poder do videogame em mostrar na tela gráficos em alta velocidade. De um personagem não usual e diferente de padrões reconhecíveis.
Tudo em Sonic era, por assim dizer, over. Na abertura do próprio jogo, com o dedo levantado, Sonic desafia quem joga, e desafia quem está ao redor, a Nintendo. Nas locadoras, jogar Sonic parecia estar em outra “rotação” deixando Super Mario um jogo lento, bobo, atrasado. Esta sensação foi o mote da SEGA nos meses que se seguiram, em suas propagandas, até o ponto em que e SEGA americana levava a empresa toda nas costas.
Sonic era uma bomba de Napalm azul que explodia na cabeça da poderosa Nintendo, que pela primeira vez sentiu o gosto de “dividir” o mercado, curiosamente por um irmão asiático, mas graças a uma gestão estadunidense. Realmente, o mundo havia mudado, e na velocidade de Sonic, o porco espinho.
Atualiazado em 11/09/2021 por Daniel Gularte
E ainda jogos os clássicos Sonic da época do poderoso Mega Drive, que considero os melhores jogos na minha opinião!!!! Parabéns Sonic, muitos games de vida!!!! valeu