Sumário
É uma marca a se celebrar sim, e para refletir. Prestar esse tributo a uma empresa dedicada cem por cento ao entretenimento e que desde que começou suas operações teve o propósito de trazer novidades, inventou e ousou acima de qualquer outra coisa. Não teve medo de errar e assume sua disruptividade, causando desconforto e mudança no tempo e no espaço onde atuou. Esta é a SEGA, que completa nesta data 60 anos de uma jornada de frenética emoção.
Este texto não vai tratar apenas dos aspectos históricos, documentais ou opiniosos do que foi ou não foi certo e errado na trajetória desta empresa. Na verdade, a condição de juiz do tempo não cabe a um pesquisador, testemunha ocular desta historia. Mas cabe relacionar os fatos às ações e reações desencadeadas e propor reflexões para as gerações futuras, que conhecem provavelmente, as meias verdades e as meias histórias. A SEGA foi uma das poucas empresas que notadamente apostou em avançar seu próprio tempo, e isso, mesmo que tenha ajudado em sua ruína final, tem uma explicação, mais que um motivo, um jeito de ser. E este artigo procura resgatar suas essências, tão irresponsavelmente ressignificadas pela contemporaneidade.
Bombas atômicas
03 de Junho de 1960 representou uma tentativa de ordem no caos. A SEGA já existia em alma, mas seus fundadores organizaram seus negócios em jukeboxes e máquinas caça-níquéis (slot machines) que fundiram a Nihon Goraku Bussan (antiga Nihon Kikai Seizou nos anos 50, que por sua vez era chamada de Service Games nos anos 40) com a Rosen Enterprises para cinco anos depois surgir com o nome Sega Enterprises. O negócio envolvia entreter, desde os tempos de guerra, combatentes e o público em geral nas bases militares e nos bares de todo o mundo, começando nos EUA. Era uma época em que o Rock and Roll fazia o corpo dos jovens estremecer, e que fumar escondido era o primeiro sinal de quebrar regras. A SEGA, que precisava ser estruturada como negócio, aproveitava-se das interferências da América do Norte do pós segunda Guerra para também se inserir no Japão, já subjugado pela intervenção ocidental em diversos meios, uma vez que leis proibiram o jogo nos EUA no final dos anos 50.
Assim como as bombas atômicas alteraram o circuito da história para milhões de jovens orientais, a SEGA esteve sempre ao lado dessa disruptividade, impregnada de valores ocidentais. Os acertos de negócio da empresa a partir do milagre econômico japonês do início dos anos 60 apenas ajudaram a posicionar a SEGA como franco atirador em um segmento que precisava de uma retomada: resignificar uma sociedade quanto a sua cultura. Talvez seja por isso que a SEGA Enterprises, na figura do seu primeiro CEO, David Rosen (dono da Rosen Enterprises) abandonou o negócio de jukeboxes nas bases militarizadas no Japão pós guerra da Coréia para investir em entretenimento em locais públicos. Inicialmente importando máquinas de terceiros para o Japão, a SEGA começou a desenvolver suas próprias peças de reposição e não demorou muito para começar a expressar seu DNA com suas próprias invenções.
Expressão em sua mais pura forma
Aos diletos, o expressionismo foi um movimento de total ruptura de padrões, inclusive seus grandes representantes foram, tardia ou postumamente, reconhecidos por seu trabalho e contribuição artística. Vê-se notada semelhança deste movimento cultural na forma da SEGA encarar o mercado do entretenimento, e isso em remota data. Talvez seja por isso que a gun machine Periscope (1966) teve tanta influência na sociedade da época. Gun machine é um termo usado para jogos eletromecânicos de tiro e caça, onde uma engenharia de engrenagens, luzes e contadores formava uma experiência de jogo.
Mas não são nas entranhas do Periscope que vamos encontrar a alma mater da SEGA. É em sua jogabilidade. Ao contrário de muitos outros jogos eletromecânicos de tiro disponíveis, a experiência em Periscope é uma pouco mais brilhante e colorida. Pensando filosoficamente como o expressionismo agride o impressionismo, Periscope usa despretensiosamente contextos de experiência que provocam reações mágicas aos seus jogadores, enquanto os outros jogos são mais introspectivos e formam uma percepção estagnada da imagem relacionada à coisa como ela se parecia. Neste fundamento, falamos essencialmente de duas figurações: conceito e game design. Claro que seria leviano ter uma avaliação proeminente e catedrática desses aparelhos, dos quais mal temos como analisar de perto. Entretanto a percepção a partir da jogabilidade oferecida nos registros históricos disponíveis fornece um código de como pensa um designer desses jogos. E mais uma vez, Periscope se destacou dos outros – seja no tamanho, na maneira de oferecer feedback com seu gameplay, com simples 25 cents investidos.
O mesmo pode-se dizer da máquina Helicopter, de 1968. Inovador em todos os aspectos, fez com que o nome SEGA começasse a ser notado nas feiras de entretenimento e assim os pedidos de importação aumentarem. E com isso veio um grande problema: a clonagem das ideias pelos ocidentais – facilmente se podia copiar o projeto de engenharia de uma máquina eletromecânica. Isso afastou a possibilidade da SEGA se instalar como fabricante nos EUA, um sonho de David Rosen, que se mantinha CEO da empresa. Em 1969, em uma articulação inacreditável, Rosen conseguiu fazer com que outros sócios vendessem suas partes da SEGA – o equivalente a 80% da empresa (10 milhões de dólares) para a Gulf and Western Industries. Os sócios chegariam a montar novas empresas na Espanha com nomes Segasa e, vejam só, Sonic. O objetivo desses empreendimentos: criar casas de diversão eletrônica com máquinas licenciadas SEGA. Permaneceu o lampejo de poucos engenheiros que criaram o principal ativo não explorado pelo então modelo de negócio: os próprios jogos em pequenos grupos de desenvolvimento.
Explode um negócio
Como se não bastasse esse ritmo frenético de desenvolvimento e expansão da SEGA, e uma grande demanda por diversão eletrônica (qualquer que fosse o brinquedo ou jogo, pois tudo ainda era um grande parque de diversões), a virada para os anos 70 faria o entretenimento eletrônico explodir como negócio. A geração Pong nos arcades, o nome Atari estampado em todas as lojas de entretenimento dos Estados Unidos e as guerras da patente do videogame esquentaram a indústria dos jogos eletrônicos. A SEGA criava novos tentáculos, pois havia se dividido em duas operações, com a Sega of America e a Sega Enterprises no Japão. Ambos os países tiveram seus centros de diversão SEGA. A divisão criativa da empresa era minoritária nesse período e não existia espaço para o desenvolvimento de jogos. O primeiro jogo eletrônico desenvolvido pela SEGA foi um clone de Pong: Pong-Tron. O negócio poderia ter ficado por aí, mas a conjuntura do final dos anos 70 fez com que pessoas como David Rosen pensassem no futuro, quando ele percebeu que o modelo se repetia: em algum momento, poderia saturar.
É fato que neste período a SEGA não contribuiu em nada com propostas que serviriam de modelo para a indústria dos games. Seus jogos até 1979 eram tentativas de apresentar novas perspectivas de jogabilidade a conhecidas mecânicas. Tentativas de claramente trazer uma forma diferente de divertimento, mas sem grandes impactos, uma vez que Atari, Taito, Namco e muitos outros tinham um enorme território para desbravar. Talvez esse tenha sido um período de afirmação de sua personalidade, que se encontra no desenho de sua marca, até hoje usada. A compra da Gremlin Industries (manufatura de processadores de games que atualizou os chips usados nos novos jogos da SEGA) e da Esco Boueki (cujo dono era nada mais nada menos do que o excelente homem de negócios, Hayao Nakayama) despertou na empresa o desejo de transpor esses limites.
Dispensando completamente a narrativa dos consoles de mesa, que até 1977 competiam por um nicho de máquinas Pong e depois bateram a barreira da segunda geração com o Atari VCS, jogos como Head On e Zaxxon se tornaram obras de arte da SEGA cuja propriedade intelectual se disseminou para todas as plataformas de jogos da época. A SEGA como um todo era uma das maiores fabricantes de arcades do mundo, trabalhando com parcerias para seus negócios e bastava um jogo legal para o público para que ela ganhasse ainda mais credibilidade. Talvez aqui a SEGA tinha encontrado um pouco de paz em sua tão esquizofrênica jornada.
1982 é conhecido por todos como o início do Crash dos Videogames nos EUA. Afetou sobremaneira nas grande indústrias, que giravam muito capital. A SEGA foi uma delas e a primeira decisão dos seus diretores foi vender para a Bally todas as suas operações nos Estados Unidos, deixando apenas uma pequena equipe de pesquisa e desenvolvimento, que se tornaria uma constante na empresa. Voltava o fantasma da mudança e isso levou a inúmeros efeitos colaterais – Hayao Nakayama acabaria se tornando CEO da Sega Enterprises no Japão e David Rosen se afastaria das operações, sugerindo a compra de sua parte da empresa por seus sócios majoritários. David Rosen foi a personificação dessa loucura – uma pessoa encarregada de olhar para horizontes, aliás dois deles, bem definidos e em duas longitudes bem opostas – preferiu agir transversalmente deixando de ser epicentro das decisões em meio a um cenário que precisava de observação. Dessa incerteza do período surge a oportunidade de engrandecer o que a SEGA tinha de melhor: sua ousadia.
Sinais de dualiade
Os eventos passados foram suficientes para garantir a SEGA o “couro grosso” necessário para voltar a suas origens e aguentar pressões externas do mercado. Vivendo as dores do crescimento, David Rosen, mesmo afastado, observava os passos do novo chefe do navio, Hayao Nakayama. Este começou uma verdadeira catequização na SEGA, provando que com o conhecimento de hardware atual era possível criar um sistema próprio de jogos. O SG-1000 foi o primeiro videogame da SEGA e em 15 de julho de 1983 (mesmo dia de lançamento do Famicom da Nintendo) começava uma nova história na linha do tempo dos jogos eletrônicos. A devastação comercial que acontecia nos Estados Unidos era inversamente proporcional aos braços abertos dos japoneses para o ainda infante mercado que se desenhava. Foram vendidos mais de três vezes o que se esperava do console. Só que a Nintendo e seu programa de jogos exclusivos acabou deixando a SEGA apenas com seus poucos parceiros licenciados dos contratos de arcades, deixando para ela mesma criar uma biblioteca de jogos muito menor do que sua concorrente.
Enquanto isso, afastada do seu braço americano, David Rosen, Hayao Nakayama e o mais novo integrante do trio, Isao Okawa, presidente da CSK Corporation (empresa de TI e desenvolvimento de software), construíram o que seria um sonho de qualquer produtor de jogos: ter uma empresa para desenvolvimento próprio de videogames e jogos. Aproveitando-se do momento de crise dos videogames nos EUA, comprou a subsidiária Japonesa por US$ 38 milhões. A partir daqui, a SEGA começou a viver seu período de dualidade na sua personalidade. As empresas começaram a desenhar seus caminhos de maneira bem separada, mas como mesmo grupo, compartilhavam oportunidades de mercado. Um exemplo é a grande diferença de sucesso dos arcades versus os videogames da SEGA – isso fez com que designers de jogos fossem obrigados a lançar versões piores dos jogos para os consoles. As próprias operações nos EUA e Japão não eram concatenadas, foram sempre subsidiárias uma a outra.
Os anos entre 1983 e 1985 consagraram à SEGA jogos icônicos a partir do desenvolvimento de hardware próprio e configurável, tudo a partir do aprendizado com o sistema G80 e o Z80 dos arcades. Enquanto o Japão anunciava aumento da indústria de mais de 300%, a SEGA integrava um hall de empresas que seguia edificando ainda mais sua presença no entretenimento eletrônico. O System 1 foi uma plataforma linda, uma espécie de tela de pintura onde artistas poderiam desenvolver sua melhor arte. É o que acontece com o jogo Flicky e a conversão de Choplifter, que levaram aos arcades da época jogos fluidos e muito dinâmicos. Aliás, essa é uma especialidade da SEGA, movimento e cor. Mais uma vez, percebemos que como no conceito expressionista, há um grande desejo do jogo se elevar a uma escala além da figuração da imagem que o jogador vê; talvez uma assimilação plena da tarefa que se realiza no jogo e seu objetivo com a imersão necessária para gerar o divertimento. Os arcades da SEGA nessa época se encaixavam perfeitamente no modelo de negócios dos arcades: a diversão taquicárdica que estimula o gasto das fichas.
Isso ficou ainda mais notório com o insucesso do Sega Mark II (atualização do SG-1000) em 1984, frente a uma simples máquina de pegar pelúcias, o UFO Catcher. Conviver com uma faca de dois gumes em mercados diferentes e lugares distintos fez surgir um diálogo maior entre a Sega americana e a Japonesa. Era 1985 e o Crash dos videogames ainda pairava uma cortina negra de insegurança no mercado de videogames, deixando caminho livre para os computadores pessoais nas residencias estadunidenses. Os arcades seguiam fortes, com novas gerações de hardware e máquinas dedicadas com diferentes experiências, inclusive fornecidas pela SEGA em seu inovador sistema Super Scaler, que simula ambientes tridimensionais usando sprites em escalas diferentes em paralaxe. Jogos emblemáticos da SEGA como Hang-on, Space Harrier, After Burner e Out Run abusam dessa tecnologia, e foi ela que de uma certa maneira um estilo próprio aos games da SEGA. As casas de jogos eletrônicos, agora presentes no mundo inteiro, tinham essas máquinas, com enormes cabines. Outra estratégia para qualquer gamer se perguntar: quem fez esse jogo? E nas assinaturas das artes das cabines, a marca da SEGA.
Entretanto o projeto do novo videogame da empresa, o Sega Mark III, serviria de porta de entrada para mais uma tentativa no cansado universo dos consoles de mesa, e para a SEGA seria seu debut nos EUA, só que com o nome de Master System, já que seu principal concorrente no segmento, a Nintendo, também estaria com planos de lançar o Famicom na terra do tio Sam com o nome de NES. Com isso um novo medo perdurou na consciência da SEGA: mais uma vez a Nintendo usaria sua política de jogos exclusivos para minar qualquer concorrência. A SEGA confiou em seus poucos jogos; únicos e coloridos, portando todos os seus títulos possíveis dos arcades para o Master System / Mark III. O resultado não foi o esperado em nenhuma das praças. Mas curiosamente, na Europa e especialmente no Brasil (graças a Tectoy e sua resiliência), o Master System até hoje é fabricado, tornando-se o videogame mais duradouro de todos os tempos e um xodó tupiniquim.
O Master System também iniciou a série de periféricos do console para que alguns jogos oferecessem maior imersão. A Light Phaser e os Óculos 3D são bem famosos onde o console foi vendido, dando um pouco mais de abertura para o aparelho que tinha poucos games. Destacam-se a releitura do clássico Zaxxon e Out Run para 3D e os inúmeros joguinhos de tiro como Gangster Town e Wanted. Os jogos para o Master System foram sempre um coringa para a empresa. Os times de desenvolvimento, quando conseguiam parcialmente portar o jogo para o console, criavam um completamente diferente. A falta de liberdade criativa da sinais de que o que importava primeiro era o hardware, e com os limites impostos, fazer o software. A lista dos melhores games da plataforma é um mix de jogos de arcade da SEGA e outros parceiros licenciados, com menções honrosas para Black Belt, Phantasy Star e claro Alex Kidd, que espiritualmente se tornou um macote para ser comparado com Mario da Nintendo. O fato é que mais uma vez a SEGA esteve presente no momento onde os games ressurgiam no mundo doméstico, retomando a indústria dos consoles de mesa. Isso basta.
Mega Drive e devaneios
Não demorou muito para que em 1987 os jogos eletrônicos rompessem a barreira dos 16-bits. E isso ocorreu onde havia mais efervescência: nos arcades. O final da década de 80 significou para a SEGA sua afirmação e necessidade de existir em qualquer casa de jogos espontaneamente. Não existiria um Fliperama do mundo (ou Playtime aqui no Brasil) que não tivesse uma máquina de Golden Axe, Altered Beast e Shinobi. Merecem menção honrosa jogos como Alien Syndrome, ESWAT, Shadow Dancer e Alien Storm. Todos esses jogos usam sistema próprio da SEGA e com ajustes para eles mesmos, exigindo ao máximo o hardware dedicado, com lindas imagens, música e efeitos sonoros.
O fim do negócio da Sega nos EUA com a Bally fez com que surgisse a SEGA of America, que contratou por vários ciclos ex-funcionários da própria Nintendo e vários concorrentes. Nakayama percebeu que não precisaria mais haver um hiato na cadeia de games para arcades e consoles – de alguma maneira ele queria acabar com a dualidade do mercado. Começou uma luta interior em desenvolver um sistema de jogo em um console com a maioria das tecnologias mais novas disponíveis nos arcades. O resultado desse trabalho é o Mega Drive, que nascia em 29 de outubro de 1988 no Japão, uma semana depois do lançamento do maior hit dos videogames de todos os tempos: Super Mario Bros. 3 da Nintendo. Os gamers, sem se preocupar com bits e bytes, processadores e memórias, deixaram o Mega Drive um pouco de lado em seu lançamento. Estava claro que os jogos importavam mais que om hardware caro. Afinal, era a primeira vez na história dos jogos eletrônicos que uma geração inteira de gamers vivia uma atualização de consoles de mesa para algo mais próximo dos arcades. O maior questionamento do mercado era: por que trocar de sistema se o que temos hoje é tão bom e custou muitas horas de trabalho e economias? O jogador da época não poderia se dar ao luxo de ter todas as plataformas e os arcades eram um grande ponto de encontro da juventude.
Inconscientemente, Nakayama foi muito além do seu tempo. O Mega Drive era algo muito maior que sua realidade poderia enxergar e teve um início discreto. Nakayama então voltou seu olhar para o mercado americano, na real expectativa de que em outro continente todos pudessem enxegar -Vejam! Nós temos um videogame melhor! – sem uma departamento de marketing bem estruturado, a Sega rebatizou o aparelho para Genesis. Um nome profético e bíblico. Um aviso aos jogadores que uma nova era chegava. Mas de que adianta um Messias sem seus seguidores? A SEGA falhou com alto estilo, perdendo para um console de uma geração ultrapassada, que investia muito alto em seus jogos de filmes e celebridades esportivas. Em sua própria propaganda “A Sega faz o que a Nintendo não faz” nota-se esse impacto, e um desafio, como se ela impetrasse para o planeta – Vamos Nintendo! Mude de geração! Os novos videogames chegaram!
Foi total inconformismo. Nakayama, incrédulo certamente, sabia que teria que fazer alguma coisa nos Estados Unidos. Um país não pode ser dominado por um mascote japonês com sotaque italiano. Os arcades já percebiam os consoles chegando perto de seus números lucrativos gradualmente. O Japão vivia um momento de ultra-consumo de tecnologia, estagnando sua curva de produção econômica, consolidando-se uma potência mundial no final dos anos 80, dividindo sua cultura entre mangás, animes, jogos portáteis e videogames. E nas mãos da SEGA, uma máquina quase vinda de outro tempo que precisaria de destaque. O que fazer?
Sejamos agressivos. Sejamos esquizofrênicos.
Tom Kalinske é a personificação de um astuto visionário e líder. Quando foi chamado por Hayao Nakayama para liderar a equipe de marketing da Sega of America, ela sabia do cenário da empresa. A SEGA estava perdida por ter adiantado em pelo menos 2 anos uma tecnologia acima do pensamento de seu consumidor. Os Estados Unidos já compreendiam que o Japão como potência nesse segmento traria muitas novidades diferentes, e seu vínculo de confiança com Super Mario o fazia ter bons olhos ao que se chegava nas lojas. A coisa não emplacava e faltava estratégia.
Kalinske teve a sorte de não se esforçar muito em sugerir um mascote. o porco-espinho Sonic já era uma realidade na SEGA. O jogo realmente era bom, e não por acaso. Se Kalinske sabia o que era preciso para reerguer os brinquedos Barbie, Hot Wheels e He-man da Mattel, ele, em poucos movimentos, percebeu que Sonic seria, com adequada feitura, uma arma que destruiria a Nintendo, que acabara de lançar o seu console de 16-bits – um poderoso concorrente, com muito mais qualidade de hardware, mais novo e com um nome enorme por trás.
O período conhecido como a guerra dos consoles traz uma série de estratégias de dominação de mercado usando marketing. Ataques propagandísticas, comparações de preço e processamento. Algo que certamente se encontra em vasta bibliografia. Mas vejam a importância da alma da SEGA em Sonic the Hedgehog – ele possui uma perspectiva diferente de um jogo plataforma, tal como fez Periscope nos anos 60. Tem um algoritmo de otimização único que promoveu um visual além do que se podia imaginar com um videogame, mantendo a estirpe de uma empresa que desde Hang-on e After Burner leva aos seus consumidores coisas únicas. É colorido como Flicky, de som alegre como Fantasy Zone, contínuo e frenético como Out Run. Assina uma identidade de exclusividade, que automaticamente rememora Golden Axe e tantos jogos de personagens inesquecíveis. A obra prima desse expressionismo perturbador está em Sonic, que atesta para todos que o Mega Drive era sim uma plataforma vanguardista que usava bem a ao máximo o que tinha disponível para seus jogadores com preços competitivos. E mais, garantia total satisfação em seus jogos, notadamente voltados para um público menos infantil.
A SEGA Foi a primeira empresa que declarou que videogame não deveria ser confundido com brinquedo, aparelho lúdico ou apenas para crianças. É visível essa postura quando Mortal Kombat para o Genesis era uma versão fiel do arcade da Midway, enquanto que sua concorrente trocava sangue por uma gosma verde. Decap Attack, Kid Chameleon e Streets of Rage são alguns dos títulos com essa pegada e representam muitos outros que injustamente não estão listados aqui. A SEGA também teve sua licença criativa para inovar em conhecidas narrativas em jogos como Castle of Illusion, Michael Jackson’s Moonwalker, Comix Zone, Ecco the Dolphin e ToeJam & Earl (muitos outros jogos também poderiam estar aqui) além de claro, os bons jogos esportivos com a boa parceria com a EA e qualquer Sonic que fosse aparecer para o console nos anos 90.
Kalinske queria total autonomia para garantir em sua bibliografia mais um lugar na história, e conseguiu brilhantemente. As propagandas da SEGA nas Américas tinham contraste alto em fundos negros, olhos de jogadores arregalados, e muitos pacotes de jogos gratuitos e outros acessórios. Vendeu mais videogames durante o Natal do que o Super Nintendo entre 1991 e 1993, derrubando algumas vezes seu rival no ringue. Foi lançado no Brasil apenas um ano depois do Master System e se tornou o console predileto dos Brasileiros por dois anos seguidos, quando o Super Nintendo começou a ser importado com maior frequência no país. Tom Kalinske já percebia que o Mega Drive era um produto de curta duração e que se tornava cada vez mais senil a cada mês.
Síndrome de Van Gogh
O amadurecimento precoce que a SEGA impôs em suas estratégias com o Mega Drive teve consequências fortes. Foi a SEGA a primeira empresa a desenvolver um sistema de controle de conteúdo para os video games por ela produzidos nos Estados Unidos, orientando a compra de jogos com material mais adulto. Tudo começava a ficar grande demais para se compreender dentro da SEGA, pois ela puxou além do seu limite discussões sobre violência, ética no mercado, pautas feministas e de sustentabilidade com seus jogos. Os ecos da dupla personalidade que deveriam sumir ressurgiram em uma empresa que em uma banda do planeta era inconsciente e disruptiva, e na outra banda era tola e inventiva.
A SEGA do Japão sempre desaprovou as ações de sua alma-gêmea americana. O apoio paterno de Hayao Nakayama a Tom Kalisnke, chancelado por David Rosen e bancado por Isao Okawa incomodava toda uma divisão de diretores, que viam no Japão o sucesso colossal dos arcades da SEGA e seus jogos que praticamente sustentaram o Genesis por muito tempo. Enquanto que a tecnologia avançava, o Mega Drive tornava-se ainda mais obsoleto e logo surgiram dezenas de acessórios para revitalizar o tiozão. De controles diferentes a adaptadores e processadores de jogos em CD, os periféricos japoneses não conseguiam ser compreendidos pelos americanos, ao ponto de na cultura dos gamers o Mega Drive poderia se tornar um “Megazord” de proporções físicas até inconcebíveis – o Genesis mais parecia um um homem indo para a senilidade, usando óculos e bengalas.
Lembremos que o Japão estava em seu auge de consumismo desenfreado e desnecessário. Experimentando e assimilando o desenho de sua cultura pop que começava a se consolidar. Nesse grupo experimental, a SEGA foi uma das primeiras empresas a criar, construir e distribuir os primeiros arcades com gráficos em processamento 3D real, com o jogo Virtua Fighter. Forçando uma entrada antecipada de mais uma tecnologia disruptiva, teve, nos arcades, um péssimo retorno a nível mundial. Era uma época onde os games de luta precisavam ser mais realistas e detalhados, ao contrário de 1000 políginos em uma tela que mais pareciam bonecos de pau.
O excesso na busca da próxima barreira a ser rompida pela SEGA não levou em consideração um erro antigo que ela mesmo tinha cometido, mas que havia sido encoberta pelo sucesso de Sonic: o preço da vanguarda. Seus efeitos colaterais foram, essencialmente, a incompreensão. E para isso, podemos comparar, já que estamos traçando analogias do expressionismo enquanto filosofia, a SEGA com o maior representante dessa escola artística, Van Gogh. O artista, assim como a SEGA, era categoricamente repreendido por um pensamento não ortodoxo e fora do timing de sua época. A inquietação da SEGA, em boa parte concentradas nas ideias de Hayao Nakayama que encontraram em Tom Kalinske a concretização de um sonho, provocaram, logo após o lançamento do Super Nintendo, uma corrida por um novo console de videogame. A dupla personalidade de empresa fez com que os times de pesquisa do Japão e EUA tomassem rumos totalmente diferentes – até então os times de pesquisa eram formados por profissionais que tanto conheciam o hardware como o software dos sistemas dos jogos da SEGA, e desde os anos 80 esses times trabalham da mesma forma. Em meio a tanta inconsistência, surge o Saturn, a visão da empresa de uma nova barreira rompida: o uso do 3D, do CD como mídia. Um console altamente robusto e caro. Uma maravilha tecnológica tal qual a Estrela da Morte de Guerra nas Estrelas, pronta para destruir concorrentes.
O terror instituído pelos anúncios do Saturn em eventos como a E3 deixavam os concorrentes desacreditados e nervosos. Mais uma vez a SEGA estremece a indústria dos videogames e obriga a toda uma cadeia a se redesenhar. Patentes e inovações tecnológicas eram japonesas e cabia aos americanos fazerem o barulho. Essa era a regra do jogo. O Super Nintendo mal estaria se consolidando no mundo quando em 22 de novembro de 1994, o Saturn é lançado e apresentava com perfeição o jogo Virtua Fighter, lançado a um ano atrás para outra plataforma. Debaixo de um esforço caro, Nakayama conseguiu: agora os videogames estavam em pé de igualdade com os arcades. O Saturn vendeu 200 mil unidades em um único dia e conseguiu se manter firme mesmo com o surpreendente lançamento do mais novo concorrente do mercado: o Sony Playstation. Mas como toda Estrela da Morte tem um ponto fraco, o Saturn da SEGA pecou em algo que seria um erro que dezenas de empresas no futuro cometeriam: a dificuldade de programar seus jogos.
A quinta geração dos videogames foi marcada pela ribalta dos desenvolvedores de jogos que mais uma vez desenharam uma geração nova de game designers e estúdios independentes, afundando de vez o monopólio da Nintendo. Ávidos para portar seus games para o Saturno, muitos devs acabaram de desistir pela complexidade de lidar com endereçamento de memórias exclusivos e até três processadores diferentes para orquestrar um jogo. É perceptível quando listamos os maiores jogos da plataforma: quando não são os jogos tridimensionais dos arcades SEGA, são jogos multiplataforma, como por exemplo, Street Fighter Alpha 2, Castlevania: Symphony of the Night, Tomb Raider (que debutou no Saturn). A exceção se encontra em apenas dois jogos: Sonic R e Nights Into Dreams – muito pouco.
Autofagia e loucura
Talvez um dos maiores problemas da SEGA foi a incompreensão de si mesma. Era uma empresa que sofria de problemas mentais, por assim dizer. Entrava em uma visão fixa de um universo futurista onde o que cabia era quebrar suas próprias barreiras de possibilidades – haja vista as propagandas de lançamento do Saturn, coisa do outro mundo. Essa dissociação da realidade, tão comum em pacientes esquizofrênicos é tão verdadeira que os consumidores queria ainda mais ver o Genesis, que se tornara uma plataforma tão querida como o Super Nintendo. Esse mesmo sentimento na Europa e inclusive no Brasil, foi negligenciado pela SEGA.
Isso desencadeou uma crise de identidade própria. Tom Kalinske sabia que essa era a pior estratégia de uma empresa desse ramo, e quantas ele já viu sucumbirem por seus devaneios. O Genesis poderia vender tranquilamente mais 300 mil consoles durante o período de desenvolvimento do Saturn, dando até suporte econômico para uma transição para a nova plataforma. O desejo do público pelo Mega Drive no mundo desencadeou um processo de autofagia na SEGA, que não conseguiu lidar com o poder do Saturno. A SEGA tinha na época aparelhos demais fabricados e com a responsabilidade de oferecer suporte, como o Game Gear e o Sega CD, estes dois últimos tentativas claras de dar respostas aos seus concorrentes de que a SEGA é a vanguardista. O próprio 32X (conhecido como projeto Neptune) acabara sendo o resultado de confrontos internos da SEGA em fazer ou não fazer mais hardware, negligenciando a cadeia de criação de jogos para esses acessórios.
Os fãs da SEGA também sentiram uma mudança na maneira em que o Saturn se apresentava a eles, um reflexo claro da saída de Tom Kalinske em meados dos anos 90, seguido dos afastamentos de Hayao Nakayama e do próprio David Rosen, que se viam embebedados pela política de uma empresa que passou a ser outra. A perda desses símbolos destrói um ecossistema, deixando apenas Isao Okawa na responsabilidade de tocar esse fardo. E em um corpo doente mentalmente, sobra a loucura. Podemos ver tamanha estranheza quando tentamos estabelecer relações contextuais da alma expressionista da SEGA e suas novas propagandas, que envolviam desde gritinhos “SEGA!” até Segata Sanshiro – o mascote no Japão. Impossível descrever em palavras: basta ver os devaneios produzidos. Com apenas 12% do mercado mundial de consoles em meados de 1997, a SEGA ainda mantinha um excelente desempenho nos arcades, principalmente no Japão, essencialmente com sua nova linha de jogos oriundos do sistema Sega Model: Daytona USA, Virtua Cop, House of The Dead e Star Wars Arcade.
Sem questionar o porque de uma decisão dessas, mas a empresa, com números tão anversos, decide novamente antecipar mais uma geração e produzir seu novo console de mesa, o Dreamcast, aliando Internet, teclado, mouse e uma promissora plataforma para seus consumidores. Foi uma demonstração clara de loucura, uma vez que lançou o produto no final de 1998, jogando todas as suas fichas de credibilidade de seus consumidores em promessas. O efeito Playstation e o ressurgimentos dos consoles ocidentais com o Microsoft Xbox tornaram em dois anos obsoleto o console. Vendas razoáveis no ano de 1999 despencaram nos anos 2000, fazendo com que em uma tentativa desesperada o maior investimento da empresa fosse canalizado para os estúdios de pesquisa e desenvolvimento de jogos que ela mesmo tinha – em média mais de 10.
A promessa de jogos com a “cara da SEGA” se manteve. O Dreamcast possui excelentes títulos onde a maioria são ports muito bem feitos de jogos de mercado, principalmente porque o Dreamcast não cometeu o erro de ser uma plataforma complexa de programar seus jogos como o Saturn, mas poucos exclusivos (e muito ousados títulos) como Ikaruga, Shenmue e Sonic Adventure. A SEGA ainda teve a sorte de se aproveitar do atraso no lançamento do Playstation 2, competindo com o Psone, versão modificada do Playstation, da geração passada. A relação da quantidade de jogos vendidos por console inviabilizou completamente a sustentabilidade do Dreamcast. Sem pena e compaixão, o resultado da louca empreitada com o Dreamcast teve um trágico desfecho em janeiro de 2001, quando a SEGA anunciava o encerramento do suporte ao console e o fechamento da sua divisão de fabricação de hardware inteira até março do mesmo ano. Era como se a SEGA tivesse cortado a sua própria sua orelha em um rompante de surto psicótico. Tragicamente, em 16 de março de 2001, Isao Okawa morre, deixando cinzas, tristeza e apagando de uma vez por todas a chama original da SEGA.
60 anos depois
Desprendimento. Essa talvez seja a palavra mais adequada para o atual período da SEGA. Logo após a morte de Isao Okawa e o devastador fim da SEGA como fabricante de consoles de videogame, Hideki Sato se tornou presidente da Sega. Sato, um veterano de 30 anos da Sega, havia desenvolvido anteriormente os consoles de videogame da empresa e sabia muito sobre como criar os jogos dela. Livre das amarras do seu hardware, os grupos de desenvolvimento se concentraram em criar jogos tentando atualizar mais seu design para as plataformas atuais – é bem verdade que criar jogos com o conceito de jogo tradicional da SEGA não encaixa nos modelos das publicadoras dessa década. A visão da SEGA em priorizar seu hardware, algo que viraria museu com o tempo, deixou empoeirar o legado da sua criatividade com seus jogos, reféns acorrentados pelos limites dos seus consoles; poderia pelo menos ter tentado a manutenção do espírito SEGA de ser.
Hoje a SEGA faz parte do grupo Sammy, e colecionou 10 anos de perdas financeiras ao incorporar a SEGA. Assim como Van Gogh, a SEGA morreu pobre e com prejuízos, incompreendida e descreditada. Seus jogos originais hoje aparecem em coletâneas. Acessando o site da SEGA, não se vê mais sequer algum vestígio do que sobrou de seu legado, pelo menos dentro do seu negócio. Ficou a lembrança e a resistência de fãs, que persistem nas redes sociais clamando por uma SEGA que não existe mais. Como os tempos são outros, é perfeitamente plausível não esperar por algo que não se perpetuou, e quem é Old School tem que se contentar com o filme do Sonic ou os mini games retrôs que viraram moda. Não sendo mais protagonista, assim como muitas outras empresas tradicionais, a SEGA cumpre ordem de um grande oligopólio japonês que amansou e domesticou o modo vanguardista de pensar da empresa.
Mas podemos tirar valiosas lições dessa reflexão. Os designers de jogos, mais do que nunca, devem valorizar seus posicionamentos quando criam novas jogabilidades para manter sua essência. A história dos jogos mostrou que acessórios, telas e o próprio hardware são meio, não fim – os jogos importam. Também podemos perceber que sem estratégia e entendimento digamos “holístico” do mercado pode-se cair em um autismo empreendedor, criando cenários inexistentes de negócios insustentáveis que só dão munição para os concorrentes. Por fim, ser presente e dar passos firmes importa muito – mostra que pode-se tomar as rédeas de um negócio, com ousadia, vibração e energia – e talvez seja por isso que nós lembraremos sempre da SEGA como ela foi para nossas vidas, nesses 60 anos caminhando com a gente.
Atualiazado em 14/01/2021 por Daniel Gularte
Lembro da época do comercial do Master System na TV!!!! Bons tempos!!!! A primeira vez em que vi e joguei no Master…foi no Master System 2 com o jogo Alex Kid in miracle World na casa de um vizinho meu, lembro!!!! Na minha opinião os produtos TECTOY eram muito caros e, com o tempo acabei comprando um Top Game VG 9000 CCE de segunda mão mesmo!!!! Com o tempo um amigo meu comprou o Poderoso Mega Drive e fiquei impressionado com o Game Altered Beast e a voz digitalizada na introdução do game!!!! Mas o que me impressionou mesmo foi quando eu vi o Mega CD com o game Earnest Evans…era um game com puro Anime em suas cutscenes!!!! Cara…a Sega fez tanta coisa boa em termos de games, animes, comerciais e todo um marketing que existia sobre o game com a ajuda da TECTOY!!!! Lembro que as vezes algumas pessoas confundiam as empresas pensando que foi a TECTOY que inventou o Mega Drive!!!! Cresci vendo a SEGA crescer e ao mesmo tempo fez parte da minha infância e adolescência em termos de games e tudo mesmo!!!! E depois apareceu o 32X, Sega Saturn , DreamCast e seus jogos que até hoje nos divertem!!!! Parabéns SEGA, muitos games de vida!!!! valeu galera!!!!