Sumário
Muito se fala que Castlevania é uma grande e inesquecível franquia do gênero terror nos videogames. Este ano o lançamento do primeiro título no Japão comemora nada mais nada menos do que 30 anos, e muita gente celebra efusivamente um jogo, que na época, não representou todo esse prestígio e representatividade como se imagina, sendo apenas mais um título entre vários. E por mais ácida que esta afirmação seja, o Bojogá explica o porquê.
Vampiros são mais sérios
Comecemos informando que o jogo, oficialmente produzido pela Konami com o nome Akumajō Dracula (Castelo demoníaco de Drácula), foi um dos títulos de lançamento do Famicom Disk System, um acessório do Nintendo Famicom no Japão capaz de ler disquetes. Os jogos desta plataforma são muito semelhantes às suas versões em cartuchos, principalmente em relação a jogabilidade. Contudo, Akumajō Dracula possui um sistema de salvamento de partidas, bem semelhante aos encontrados nos jogos da franquia recentes.
E é somente por isso que Castlevania tem toda sua importância na linha do tempo dos jogos eletrônicos para tanta gente ao longo desses anos todos: o jogo possui muitas referências. O primeiro Castlevania nada mais é do que mais um plataformer (jogo de taxonomia de rolagem horizontal de cenário com jogador transpondo obstáculos até chegar a um determinado ponto) em meio a diversos já criados pelos arcades e consoles dos anos 80.
Se não, vejamos: Pac Land (Namco), Athena (SNK), Ghosts’n Goblins (CAPCOM), e Rush’n Attack (ou Green Beret, da própria Konami), eram os principais jogos de fliperama da metade dos anos 80 com desafios tipo plataforma. Nos consoles, a febre de Super Mario Bros que vinha do Japão, e principalmente a estratégia da empresa em dar de presente este jogo ao se comprar um NES nos EUA fez com que o gênero plataforma, a partir de 1985, fosse o carro chefe de qualquer empresa desenvolvedora de jogos digitais. A Konami via claramente que seus concorrentes tinham jogos mais interessantes, com uma narrativa melhor conduzida e diversas opções de mecânicas.
Outro problema foi o fato da versão do jogo Rush´n Attack feito pela Konami para o NES ter ficado com qualidade muito abaixo da sua versão original do arcade. Uma empresa que na sua lista de jogos plataforma tinha como referência títulos como Antarctic Adventure, Goonies e Circus Charlie precisava urgentemente de um tema mais adulto e que pudesse ter elementos mais densos em uma narrativa de jogo.
Talvez por uma escolha avaliando a concorrência, a Konami decidiu usar justamente a linguagem do gênero terror. De todos os jogos de arcade dos concorrentes, o único tema que não tem fantasia abstrata era o jogo Ghost N´Goblins – um cavaleiro tenta resgatar sua princesa prometida de uma horda de demônios – e mesmo assim a CAPCOM inseriu divertidos e bizarros elementos jocosos com o tema, amenizando através da comédia a narrativa do game.
A Konami optou em Akumajō Dracula inserir em seu roteiro elementos clássicos fortes do horror ordinário e comum dentro da perspectiva oriental e ocidental. O jogo insere NPCs e personagens dentro de uma trama sem complexidades: o conflito do clã Belmont com o conde Drácula, o lorde dos vampiros, que bebem sangue humano para sobreviver. Era uma época de filmes como A Mosca, Alien: o resgate e Casa do Espanto.
O castelo do Drácula é notoriamente uma homenagem ao Castelo de Cagliostro de Hayao Miyazaki de 1979, feito pelo que seria nada mais nada menos do que o Estúdio Ghibli. Os créditos finais apresentam os nomes “Christopher Bee” e “Belo Lugosi” denunciando a estética do Drácula e dos filmes dos anos 30. Os sub-chefes e inimigos são representações das lendas dos monstros da mesma época, evocados pelo conde Drácula. E veja só: essa é justamente a trilha do filme Monster Squad (ridiculamente traduzido para o português como Deu a Louca nos Monstros).
Com ênfase em ser clássico, o jogo acabou sendo eficaz em sua proposta de narrativa, inserindo um cenário gótico provinciano de uma Transilvânia dos séculos passados. A seriedade do ambiente do jogo inseriu elementos e símbolos que foram proibidos em versões ocidentais do game.
Mordidas no Gameplay
Infelizmente a Konami, mesmo tendo se esforçado, criou um jogo duro, amarrado em pouca fluidez e limitado pela falta de experiência em criar jogos desse tipo. E talvez essa tenha sido até de forma despretensiosa a marca registrada do jogo, pelo menos até suas versões da quarta geração. Enquanto que jogos de plataforma primam pela fluidez de saltos, voos e esquivas, Simon Belmont, o protagonista e o jogador que o controle precisa de pulos certeiros, sorte para não ser acertado por inimigos e um pouco de treino para escapar das armadilhas dos níveis das fases do game.
Castlevania se tornava um jogo de precisão, paciência e estratégia ao escolher as melhores armas, os locais secretos de vidas e bônus que necessitavam muita atenção e exploração a cada ambiente transposto. O cenário gótico inspirado mais uma vez nos clássicos livros de contos da antiguidade são representados até de forma competente, mas que pela falta de recursos engana o jogador, principalmente plataformas que desabam do nada e espaços que parecem paredes e são na realidade abismos. Menção especial, claro, para a difícil tarefa de subir as escadas de forma prática. Até nisso o jogo necessita de precisão, o que deixa o jogador em fúria e enlouquecido quando tenta escapar dos inimigos.
Chicotadas Musicais
É indiscutível afirmar que a série Castlevania tem um trabalho muito competente na música. E para endorsar mais ainda a questão do jogo original carregar um legado de referências, a música do primeiro jogo, composta pelos recém formados Satoe Terashima e Kinuyo Yamashita, compositores membros do conhecido Konami’s Kukeiha Club, é usada ainda hoje nos jogos da franquia. Os temas mais usados do jogo original são Vampire Killer, composto por Terashima, Bloody Tears, composto por Kenichi Matsubara, e Beginning por Jun Funahashi. Estas três trilhas estão presentes respectivamente em Castlevania, Castlevania II: Simon’s Quest e Castlevania III: Dracula’s Curse.
A competência do time musical da Konami se tornou, anos depois, uma marca registrada da empresa. Pela primeira vez, música em videogames tinham que dar completude ao espírito da narrativa. Para um jogo simples visualmente e com mecânica questionável, Castlevania se equilibra por sua trilha sonora, gostosa de ouvir, dando imersão ao jogador dentro da trama voltada ao terror e atestando que a Konami apostou nos jogos de console e sua progressão de jogo.
Legados para o futuro
Akumajō Dracula tem tantos indícios de um jogo experimental que rapidamente várias versões foram elaboradas. No mesmo ano de lançamento o jogo teve uma adaptação para o MSX2, com gráficos melhorados. O port americano e europeu, que nós conhecemos como Castlevania, é de 1987 e se trata da versão em cartucho do jogo, após o fracasso do Famicom Disk system. Mais adiante em 1988 uma versão exclusiva para o arcade foi lançada, chamada de Haunted Castle. Todas as referências de personagens, músicas, arte conceitual e animações foram reaproveitados, alterando-se a mecânica do game.
As continuações para o NES incrementaram o produto e ajudaram a consolidar a franquia, não somente pela adição de novos elementos na trama e na narrativa. Era como se a Konami estivesse atualizando o acervo desse jogo de terror para construir algo maior, levando aos poucos a limitada capacidade do NES ao seu limite. Vemos a mesma estratégia em outras franquias da empresa, como, por exemplo, na série de jogos das Tartarugas Ninja. Essa é claramente uma consequência da estratégia da Nintendo em criar jogos exclusivos licenciados. O resultado desse investimento em conteúdo se reflete em todos os jogos produzidos pós quarta geração nos consoles e portáteis.
Sabemos que foi apenas em Castlevania III que o jogo ganhou indicações e reviews notadamente positivos. Em uma época de riqueza de jogos realmente divertidos, a era dourada dos videogames reconstruía um nefasto Crash de um passado de jogos ruins e abstratos. Assim também eram os desenhos animados como Cavalo de Fogo, He-Man, Rambo e Caça-Fantasmas; e a música pop, embalados por hits como The Sun Always Shine on TV (A-Ha), Kiss (Prince), Burning Heart (Survivor), Walk of Life (Dire Straits), Final Countdown (Europe) e a incomparável trilha You Give Love a Bad Name (Boj Jovi). Os jogadores enfim experimentavam de tudo um pouco e Castlevania foi mais um deles. Mas, como toda boa bebida destilada, quanto mais velho esse jogo fica, melhor ele é de se apreciar.
Atualiazado em 04/02/2017 por Daniel Gularte