Sumário
Joseph Warren Robinett Jr, mais conhecido como o homem do primeiro Easter Egg (ou Ovo de Páscoa) dos videogames com o jogo Adventure para o Atari VCS, faz parte de um dos grupos dos primeiros profissionais no desenvolvimento de jogos de entretenimento dentro da indústria dos consoles de mesa, que mais tarde seriam reconhecidos como game designers fundadores do processo de criação de jogos. Robinett tem em sua trajetória os estudos, a computação gráfica e um pouco de subversão aos então desconhecidos valores dados à propriedade intelectual da época.
Infância
Warren Robinett Nasceu em 25 de dezembro em 1951 na cidade de Springfiled, Missouri, Estado Unidos. Quando ainda 16 anos e estava no colégio, interagiu com seu primeiro computador, apresentado pelo seu professor de matemática. Não foi apenas uma apresentação detalhada para mostrar do poder daquela máquina, mas foi a primeira vez que Warren teve contato com a computação e escreveu um simples programa. Ele estava em um acampamento de verão para estudantes que gostavam de matemática, patrocinado pela Fundação Nacional de Ciências dos EUA, com cerca de duas dúzias de outros alunos do ensino médio. Eles estudavam matemática de quatro a seis horas por dia e ficavam em um dormitório, semelhante a um ambiente universitário. Segundo Robinett , os computadores e a matemática estão intimamente relacionados com a criatividade, embora ele saiba que algumas pessoas argumentem contra isso. O jovem Warren aprendeu que a parte do pensamento lógico é certamente comum entre as duas áreas de conhecimento: a arte e a técnica.
Formação
Warren Robinett foi para a Rice University, na cidade de Houston, fazer a sua graduação e estudou engenharia elétrica e matemática, pesquisando muitas outras coisas na área. Não havia departamento de ciência da computação na época em sua universidade, mas fez por fora de seu currículo original muitos cursos de programação e também cursos de arte, oferecidos por outras instituições. O primeiro contato com um jogo eletrônico de Warren foi em um aeroporto da cidade quando seu pai estava o levando para o caminho de volta da faculdade no início dos anos 70. Se tratava de um jogo de labirinto em uma máquina de fichas, um arcade. Esse contato ficou na memória de Warren, porque era algo novo para ele e que poderia um dia usar em seus estudos, pois existia a possibilidade de desafiar pessoas usando máquinas eletrônicas.
Robinett se formou em 1974 na Rice University, onde seu bacharelado tinha especialização em “Aplicativos de Computador para Linguagem e Arte”. Logo em seguida, ele foi programador Fortran para a empresa Western Geophysical em Houston, Texas. Contudo o real envolvimento de Robinett na indústria de jogos começou pelo seu interesse específico em computação gráfica, Havia um curso do tipo e de várias linguagens de programação diferentes na época. Quando visitou a universidade de Berkeley, na Califórnia, para fazer seu mestrado, Warren Robinett acabou fazendo um curso com ninguém menos do que Ken Thompson, o co-inventor do UNIX e da linguagem C, e lembra da inovação de seu mentor:
Ken Thompson ainda tem a mesma aparência hoje, exceto mais grisalho. Ele era muito careca no topo e tinha cabelo comprido na nuca. Ele não se parecia com nenhum dos professores de Berkeley. Ele estava lá em uma parada de um ano. Os professores meio que têm uma certa aparência, se é que você sabe o que estou dizendo, mas Thompson não tinha essa aparência. Ele estava bastante interessado no espaço. Ele apenas falou sobre isso e sabia sobre isso, mas ele estava mais interessado em xadrez. Mais tarde, ele desenvolveu um programa chamado Bell que era o campeão mundial de xadrez (de computador). Mas, na época, quando ele trouxe o UNIX para Berkeley, o trabalho de menor prioridade que seria executado se ninguém estava fazendo nada estava resolvendo todos os finais de Rock e King. Então ele tinha um programa de xadrez em execução para absorver os ciclos não usados. De qualquer forma, estamos sentados na aula um dia e Ken Thompson escreve um número no quadro-negro – 2 para o 37º potência. Ele está falando sobre uma unidade de disco que havia sido proposta – isso foi quando um megabyte era muito – e ele diz que essa unidade de disco hipotética em que alguém supostamente estava trabalhando teria muito mais do que um megabyte de armazenamento. Ken olha para a classe e diz: “Espero que você aprecie como esse número é grande.” Eu saltei e disse, “o número de amendoins que encheriam a Via Láctea.” A classe rugiu, mas Thompson não abriu um sorriso. Ele apenas revirou os olhos e pensou por um segundo e disse, “o número de estrelas na Via Láctea”. “
Finalmente Warren recebeu seu título de mestre em ciências da computação da Universidade Berkeley em 1976. Na época, sua titulação ainda era algo de vanguarda e não havia uma empresa que trabalhava essencialmente com seu conhecimento em projetos de mercado, como ele mesmo brinca em uma entrevista:
Fui para a Rice University em Houston como estudante de graduação e estudei engenharia elétrica e matemática – e muitas outras coisas. Não havia departamento de ciência da computação na época, mas fiz muitos cursos de programação e também cursos de arte que, na verdade, acabou se tornando um complemento que me deu o título: Aplicativos de Computador para Linguagem e Arte. Isso representava desenhar um círculo bem grande em torno de tudo. Isso poderia descrever o século 21, não poderia? … Então, depois de um ano de trabalho, fiz pós-graduação em Ciência da Computação na Universidade da Califórnia em Berkeley e obtive uma dose realmente concentrada de ciência da computação.
Atari
Em 1977 Warren Robinett ouviu falar de uma empresa que estava contratando programadores, a Atari. Para ele a proposta de emprego pareceu interessante: eles criavam jogos para videogames e precisavam de pessoas para programá-los. Warren foi para Sunnyvale, aproximadamente 80 quilômetros ao sul de Berkeley, onde Atari estava localizada. Assim como dezenas de jovens programadores que vagavam o Vale do Silício atrás de seus sonhos, Robinett não conhecia ninguém. No lobby da empresa, ele preencheu um formulário de proposta de emprego na recepção, uma prática comum da empresa em virtude da grande quantidade de jovens querendo se inscrever para trabalhar na Atari. No formulário o candidato deveria escrever um pequeno ensaio sobre por que seria o empregado perfeito para a Atari. Robinett acabou conseguindo uma entrevista e posteriormente sua vaga no emprego. O período da empresa não poderia ser melhor: foi o momento em que a Atari desenvolveria seu primeiro videogame de cartuchos conectado a um aparelho de televisão doméstico. Robinett estava no segundo grupo de quatro programadores dos oito escalados pela Atari para desenvolver jogos para o Atari VCS. Sua contratação foi efetivada em novembro de 1977.
Warren percebeu que, na verdade, não havia um processo de produção de jogos na Atari, pois ele não havia recebido nenhuma orientação prévia sobre o processo. No seu primeiro dia de trabalho na Atari, Larry Kaplan, que seria seu primeiro chefe direto, lhe fez uma boa recepção, e apenas o pediu que criasse um jogo que coubesse em 4KB de memória. Ele pediu que o programa pudesse ser escrito em um ou dois meses de programação, e assim ganhava seu salário e tudo ficava bem. Em projetos mais dedicados, era permitido fazer o trabalho em quatro a seis meses. Antes de se despedir de Robinett e sentar em sua mesa, Kaplan falou duas importantes frases:
Seu trabalho é projetar jogos. Agora vá criar um…Ah! Todo mundo no departamento de marketing da Atari é um idiota.
Com essas valiosas, porém ainda incompreendidas informações, Warren Robinett precisava apenas comparecer à empresa e fazer os jogos – não era permitido trabalhar em casa. A política era que todos pudessem de alguma forma interagir e melhorar os produtos e não havia supervisão alguma. Vários outros colaboradores da Atari davam sugestões e comentários para os jogos criados – nem tanto os programadores de jogos, mas os designers gráficos e roteiristas que escreviam os manuais, por exemplo. Warren lembra de Steve Harding, que gostava de jogar os títulos à medida que eram desenvolvidos, dando imediato feedback. Os outros designers de jogos, todos programadores, se preocupavam mais com seus próprios programas. Haviam concorrentes diretos da plataforma de cartuchos como o Fairchild Channel F e o RCA Studio.
O foco era tentar fazer o máximo de bons jogos que fariam o sistema Atari ter sucesso. Enquanto Warren pensava nos primeiros códigos dos seus jogos, outro promissor desenvolvedor da Atari, Dave Crane, se destacava por sua rapidez e habilidade em fazer games rapidamente. Seu primeiro jogo foi desenvolvido em quatro meses, e Warren lembra dos cactos e os vaqueiros do jogo Outlaw sendo mostrados para a equipe. Ao todo, Warren Robinett projetou três cartuchos para o Atari VCS em 18 meses entre os anos de 1977 e 1979.
Slot Racers
O primeiro jogo desenvolvido por Warren Robinett foi Slot Racers. O objetivo do game é pilotar um carro por um labirinto, enquanto tenta disparar mísseis contra o carro do oponente, bem como evitar os mísseis que ele atira no carro do jogador. Cada vez que um dos respectivos carros é atingido por um míssil, o jogador que controla o outro carro recebe um ponto. A vitória é alcançada por meio da pontuação de vinte e cinco pontos. O jogo em si tem quatro labirintos diferentes e opções relativas à velocidade do míssil e outros fatores, no contexto de suas nove variações.
Apesar de simples, Slot Racers apresentou as capacidades de Robinett em explorar as formas de controle de variáveis e objetos do Atari VCS em um design simples e interessante. É importante lembrar que naquela época um programador de jogos precisava escolher a narrativa, escrever o programa, fazer os gráficos, os sons, descobrir como a jogabilidade funcionava, fazer os testes e decidir quando o jogo foi concluído e estava bom o suficiente para ser lançado e “aprovado” pela equipe de marketing. O jogo foi lançado em 1978.
BASIC Programming
BASIC Programming foi outro trabalho inovador de Robinett na Atari e o cartucho em si não era bem um jogo: ele ensinava de forma simplificada programação de computador usando a linguagem BASIC. Lançado pela Atari em 1979, o cartucho aceitava a entrada de comandos fornecida por meio de dois controladores de teclado exclusivos da Atari, que vinham com sobreposições especiais para mostrar como digitar os diferentes comandos e letras.
Os programas são restritos a 64 caracteres de tamanho e normalmente 9 linhas de código, limitando os programas que pudessem ser escritos. Os usuários podiam também desabilitar recursos para que novas linhas de código pudessem ser escritas.
Adventure
Ainda em 1978, Warren Robinett, com 27 anos de idade, morava em uma casa com um grupo de cinco a seis pessoas. Um dos seus colegas, Julius Smith, o levou para onde ele trabalhava, o Stanford AI labs, onde ele experimentou em um computador um jogo de aventura de texto conhecido como Colossal Cave Adventure, jogo de Will Crowther e Don Woods. Por três ou quatro horas, Robinett imaginou aquele jogo se misturando com sua primeira experiência com games: o jogo de labirinto do aeroporto. Em Colossal Cave Adventure, tudo era texto e para interagir digitavam-se comandos como “pegue a pedra, vá para o leste”, gerando um entendimento um tanto confuso do que se fazer, mesmo tendo um ar de mistério ao digitar possíveis ações para progredir no game.
Neste mesmo instante Warren decidiu que no seu próximo projeto de jogo ele faria uma versão visual inovadora do conceito de Colossal Cave, unindo suas experiências interativas, como os elementos do jogo de labirinto, e chamou deu projeto de Adventure. O atual chefe da equipe de Warren na Atari, George Simcock, ao avaliar a proposta de Robinett, disse que era impossível realizar aquele jogo e o proibiu de continuar o projeto, por estar perdendo tempo em algo que o Atari VCS certamente, pelo menos para visão dele, não teria capacidade de processar e guardar em memória. Warren Robinett fala da sua solução frente a falta de visão de seus superiores, que exigiu dele criatividade para resolver os desafios da arquitetura do console:
Tive a ideia do jogo Adventure desde o início em termos de como fazê-lo, porque o 2600 (Atari VCS) tinha cinco pequenos sprites móveis e um fundo. A primeira pergunta é como você representa uma sala? Então decidi que você veria um quarto de cada vez na tela, e usaria o fundo fornecido pelo 2600 chamado campo de jogo para fazer algum tipo de representação de fundo. Decidi rapidamente que faria labirintos mais uma representação de um castelo, que repeti três vezes. As paredes do labirinto bloqueariam seu movimento.
A partir daí o projeto do jogo Adventure se tornou um grande desafio pessoal para Warren. Certo dia, Adventure estava quase pronto e Joe Decuir (jogando) e Jay Miner (observando) estavam avaliando o último build (versão compilado do programa) do jogo. Eles eram nada mais nada menos do que os arquitetos do hardware do Atari VCS. O laboratório de aproximadamente 80m² era o local onde os desenvolvedores de jogos da Atari produziam seus games e todos viam o que os outras faziam. Warren lembra de em um canto do laboratório ter visto David Crane assistindo Decuir jogar Adventure com um olhar meio mal-humorado. Warren não considerava seu trabalho na Atari uma situação competitiva e que na verdade a competição era fazer jogos para esse sistema. Mas designers como Crane naquele ambiente desenvolveram naquela situação, para Warren, esse espírito de concorrência.
Como todos os jogos da Atari, Adventure foi adicionado à lista de títulos da plataforma em 1979 e acabou sendo um grande sucesso por levar os videogames a outras possibilidades de imersão e narrativa. Vendeu 1 milhão de cópias e mostrou o poder da criatividade de uma indústria firme no ramo do entretenimento mas que apresentava também sintomas seu lado complexo e sombrio quanto ao debate dos direitos das propriedades intelectuais dos jogos eletrônicos e o papel do desenvolvedor de jogos no ecossistema. A soma desses fatores desencadeou pessoalmente para Warren Robinett um desfecho desagradável da sua carreira na Atari.
Cultura esquizofrênica
A Atari nos anos 70 simbolizou a cara dos games para o mundo, não somente por seus produtos mas por sua postura como indústria disruptiva. Robinett lembra da cultura livre que a Atari pregava pelo seu fundador, Nolan Bushnell. Ele lembra que as pessoas iam trabalhar quando queriam, uma prática que não teria funcionado na maioria das empresas do Vale do Silício, principalmente porque, segundo Warren, se tratavam de propriedades intelectuais e não ferramentais. Ele também lembra como era bom não precisar acordar muito cedo: chegava na empresa às 11 da manhã e trabalhava até as 19 – as vezes passava da hora e ficava na empresa até tarde da noite, com consentimento dos gestores. Todas as outras empresas do Vale do Silício tinham políticas mais rígidas e, por assim dizer, antiquadas.
Também não é novidade tudo o que sabemos a respeito da Atari nesse período áureo da empresa. Festas, poucas regras e processos de trabalho, mínimas amarras aos colaboradores que brincavam, curtiam e se divertiam no ambiente de trabalho. Warren Robinett experimentou um momento da Atari que estimulava seus colaboradores sem planejamento e gerenciamento nos projetos, com investidores e nas parcerias: uma empresa ainda inexperiente, porém com uma identidade jovial necessária para ultrapassar limites da tecnologia que desenvolvia. Mas esse limite foi passado irresponsavelmente, principalmente nas relações de trabalho. Warren lembra das conversas que tinha com sua ex-namorada, Brenda Laurel, que o lembrava de que não havia banheiro feminino na Atari, por exemplo, que havia um banheiro extra onde as pessoas fumavam maconha. Warren não lembra especificamente de pessoas fumando maconha durante o expediente mas reconhece que talvez algumas pessoas tenham o feito. Para ele, estar sob efeito de alguma droga não ajudaria a implementar um programa.
Warren acreditava que em seu período estava fazendo um bom trabalho. Mas acabou sentido pelos outros que na verdade estava sendo tratado como um funcionário mal comportado e um concorrente para muitos designers de jogos. Primeiro pelo seu chefe direto que achou afrontoso seguir com Adventure. Nesse período a Atari foi vendida para a Warner Communications, um grupo que poderia despertar novos patamares empresariais para a Atari. O que se viu foi uma adoção fabril ao processo de criação de jogos na empresa: enquanto que na gestão de Bushnell nunca se conversou e nem se sabia explicar o que seria uma propriedade intelectual, nos tempos da Warner eles começaram a se certificar de que os funcionários se encaixassem perfeitamente dentro de uma fábrica de jogos. Em entrevista, Warren coloca a visão dele sobre a Atari no fim dos anos 70:
Os caras da Warner eram caras de Nova York, caras da Costa Leste, e eles eram durões. Eles eram loucos por controle.
Para Warren o entusiasmo na Atari foi embora quando Nolan Bushnell deixou a empresa em 1978. Com o lançamento de Adventure em 1979 e muitos outros jogos que consolidavam o sucesso do Atari VCS, os empregados começavam a se questionar sobre os lucros das propriedades intelectuais que eles criavam. A Atari nunca compartilhava números de vendas com seus criadores de jogos e não haviam muitos deles dentro da empresa, no final dos anos 70. Larry Kaplan, David Crane, Allan Miller e Bob Whitehead, todos colegas de trabalho de Warren, tiveram acesso aos números do vendas da Atari relativos ao Natal de 1978. Eles perceberam que os quatro eram responsáveis por mais da metade do lucro da Atari naquele ano. Eles procuraram o novo CEO da empresa, Ray Kassar, que substituiu Bushnell, e disseram que deveriam receber royalties ou algum tipo de benefício com isso. O que Kassar respondeu a eles foi a famosa frase: “Vocês não são mais importantes para a Atari do que o cara na linha de montagem que monta os cartuchos”. O resultado todos conhecem: no ano seguinte os quatro saíram da Atari e fundaram a Activision. Para Robinett o que Kassar fez foi apenas mostrar a atitude da alta administração da Atari naquela fase e era por isso que ele havia tomado o posto de Nolan Bushnell como CEO.
A sequência de fatos desafortunados da Atari levou Warren Robinett a um estado de desalento na indústria de jogos antes de concluir o jogo Adventure. Warren revela que era bastante desmoralizante ser tratado como um indivíduo cujo trabalho não valesse nada, quando achava que o que ele estava fazendo era muito bom. Em suma, trabalhar na Atari (o dia a dia, as vantagens salariais) era de certa forma interessante, mas o produto fabricado era realmente bom? O que as pessoas estavam achando dos jogos? Silenciado e isolado em sua célula de trabalho, Robinett preparou sorrateiramente o que seria a principal representação da liberdade autoral de tantos criadores de jogos que até então eram tratados no anonimato.
Vingança em um ovo de páscoa
NO fim dos anos 70, Warren Robinett, diferentemente de vários colegas que reclamaram sobre a falta de reconhecimento de seu trabalho na Atari e acabaram deixando a empresa ou voltaram desolados para seus postos de trabalho, trabalhou em uma elegante saída para manifestar seu descontentamento sobre tudo o que acontecia sobre a discussão da propriedade intelectual nos games: ele simplesmente usou parte do espaço de seu jogo Adventure para construir uma sala secreta acessível apenas por meio de uma elaborada série de etapas no jogo. Se um jogador realizasse todas essas etapas minuciosamente, pegando itens escondidos e construindo uma situação única dentro do game, abria-se o caminho para essa sala secreta. A sala continha um único texto escrito na vertical: “CREATED BY WARREN ROBINETT”. Considerado o primeiro Ovo de Páscoa dos videogames, Robinett não contou a ninguém sobre sua surpresa. Sempre perguntado em entrevistas dos motivos sobre sua atitude e o que motivou a criar a sala secreta com seu nome, Warren Robinett é categórico:
Pensei nisso como uma manobra de autopromoção. Além disso, fiquei puto. O Adventure vendeu um milhão de unidades a US $ 25 cada. Enquanto isso, ganhava um salário de US $ 22 mil por ano, sem royalties e eles nunca enviaram cartas de fãs para mim…Quando escondi meu nome neste jogo, Adventure, em 1979, sabia que precisava mantê-lo em segredo ou o código seria removido antes de ser replicado e enviado para todo o mundo. Se 100 mil cópias do jogo com meu nome fossem enviadas para todo o mundo, você nunca colocaria o gênio de volta na garrafa. Eu mantive isso em segredo. Eles o replicaram e enviaram os cartuchos de jogos para todo o mundo. O “ovo de Páscoa” foi descoberto no ano seguinte. Eu já tinha saído da Atari logo depois de entregar o jogo. Eu nunca tive dinheiro próprio para falar até aquele momento. Saindo da Atari, eu tinha 10.000 dólares no banco.
A inteligente e elegante saída de Warren para se manifestar sobre o assunto em Adventure requer um pouco mais de olhares sutis. Primeiro, notamos que o texto do Easter Egg é escrito na vertical, provavelmente para deixar ainda mais escondido os componentes de sprites que, ao serem compilados dentro do programa, ficam menos reconhecíveis, e assim dificultariam a identificação por qualquer outro programador – foi talvez uma criativa medida de segurança que Warren Robinett montou para que o primeiro Ovo de Páscoa possa garantir sua viralização. Percebe-se também a grande frustração de Warren em não poder se relacionar com os jogadores de seus games. Era sabido que seus ex-colegas da Atari e atuais fundadores da Activision montaram um excelente canal de contato com seus consumidores: além dos nomes dos programadores estampados nos anúncios e na capa dos jogos, existia um canal oficial de contato com a empresa. Apenas para se ter uma ideia, 14.000 cartas eram enviadas a David Crane por semana por causa do jogo Pitfall. Em sua carreria na Atari, Warren sempre suspeitou que seus chefes provavelmente estariam recebendo muitas cartas sobre seu jogo – mas ele não recebeu nenhuma.
Tudo mudaria em 4 de agosto de 1980 quando um jovem de 15 anos da cidade de Salt Lake City chamado Adam Clayton enviou uma carta para a Atari com pedidos diversos a respeito dos computadores da Atari, algo usual para jovens com sonhos de consumo. Contudo, no final da carta, o jovem acabou mostrando desenhos feitos por ele que explicam como chegar à sala secreta em Adventure, escrevendo inclusive que achou estranho aquilo. A Atari testou o que seria para eles um “bug” e só perceberam a mensagem secreta quando o jogo já havia vendido mais de 1 milhão de cópias. Warren guarda com carinho esta carta, que foi adquirida por ele muitos anos depois. Warren comenta sobre reconhecimento quando lembra de alguns casos anteriores ao seu onde eram citados os desenvolvedores de jogos:
O Atari 2600 de Nolan Bushnell não era como um livro de romance em que seu nome como autor aparecia logo de cara na capa. Os jogos coin-op [arcades] – que foram o primeiro tipo de videogame comercial da Atari – foram feitos por equipes, mas acho que os designers conseguiram algum reconhecimento. Acho que eles colocaram seus nomes em algum lugar. Na verdade, não tenho certeza.
De fato, vemos registros dessas manifestações ao redor do mundo, seja com as iniciais dos desenvolvedores no ranking de um arcade, seja com pseudônimos nos créditos finais dos jogos do Nintendinho, A sala secreta de Adventure assinou a importância de fazer valer a representatividade de uma categoria do ecossistema dos jogos que por muitos anos, e porque não até hoje, vem sendo ofuscada pelo próprio mercado. Sem saber ou até mesmo querer, Warren Robinett iniciou o que se tornaria o movimento independente dos game devs. Mas, como ele mesmo aponta, ele estava cansado de tudo aquilo que o rodeava. O primeiro Ovo de Páscoa é hoje um ícone com significado de transgressão e homenageado como na obra Jogador nº 1, perdurando uma mensagem não de uma pessoa, mas de um movimento profissional. E neste processo, ao deixar o seu Ovo de Páscoa, também acabaria deixando a Atari para uma nova jornada.
Desprendimento e amigos
Assim que se demitiu da Atari no fim dos anos 70, Warren Robinett voltou para Springfield, sua cidade natal e por lá ficou um tempo. Voltou para o Texas, onde tinha amigos com quem fez faculdade e inspirado por um desejo de descobertas pegou uma mochila e foi para a Europa ainda em 1979, passando seis meses vagando entre várias localidades do continente buscando se reencontrar dentro de sua especialidade. Na virada dos anos 80, Warren volta para a Califórnia, sabendo que o Vale do Silício vivia seus anos de ouro, tornando-se o centro das atenções com suas jovens e pujantes empresas. Ele lembra de ter chamado alguns amigos para uma noite de pizza e cerveja logo quando retornou – cerca de meia dúzia de designers de jogos da Atari – entre eles Carla Meninsky e Brad Stewart. O assunto era apenas um – o bombástico Ovo de Páscoa que Warren havia deixado em seu jogo e o impacto que isso gerou dentro e fora da empresa, que logo após o envio da carta de Adam Clayton já havia aparecido em mais duas revistas de forma oficial:
Eles queriam ouvir sobre como escondi meu nome no jogo. Eu disse a eles como fiz isso, como mantive isso em segredo e respondi a todas as suas perguntas. Ao olhar ao redor da mesa, pude ver um brilho em todos os olhos. Eles já estavam planejando como fariam isso nos jogos em que estavam trabalhando naquele momento. Tenho certeza de que Rob Fulop escondeu suas iniciais em Missile Command.
Warren soube que a Atari havia mudado muito naquela época. Brenda Laurel, que foi sua namorada por um ano e meio em meados dos anos 80 e lhe contava das histórias e bastidores na Atari. Ela trabalhava no laboratório de pesquisa da empresa, que tinha muito dinheiro para investir em tecnologias competitivas. Segundo Robinett, o laboratório não criava produtos, mas faziam pesquisas. Alan Kay era o chefe de pesquisa da Atari e tinha uma política de assinar qualquer projeto que colocassem em sua mesa. Nesse período a Atari desenvolveu protótipos muito estranhos de jogos, alguns deles nunca lançados e muito obscuros.
The Learning Company
Com um ambiente de relacionamento mais amigável e longe da indústria de jogos, pelo menos de forma direta, Warren mantinha contato com seus colegas e acabou conhecendo três mulheres interessadas em fazer jogos para ajudar no ensino a crianças – Ann McCormick Piestrup, Leslie Grimm e Teri Perl. Os quatro fundaram a The Learning Company (TLC), que acabou se tornando uma dos maiores editoras de software educacional entre 1980 e 1995. Dentre seus os jogos mais clássicos, destacam-se títulos como Rocky’s Boots, Reader Rabbit, Robot Odyssey, para a linha de computadores Apple II. As principais famílias de produtos foram a série “Reader Rabbit” para as idades de 2 a 8 anos, a série “Treasure Mountain” para as idades de 5 a 9, a série “Super Solver” para as idades de 7 a 12, o “Student Writing & Publishing Center “para idades de 7 adultos e a série” Aprendizagem de Língua Estrangeira “para idades de 15 adultos.
A TLC ofereceu a oportunidade de ensinar às crianças conceitos de matemática, leitura, ciências, resolução de problemas e habilidades de pensamento. Parte do financiamento original para a empresa veio de uma bolsa da National Science Foundation. A empresa produziu títulos de lançamento para o IBM PCjr, anunciados no final de 1983, momento pelo qual a indústria dos consoles de mesa passou pela sua maior crise de mercado, culminando no Crash dos videogames de 1983. Por outro lado, de 1980 a 1984, a TLC criou uma linha de 15 produtos de software educacional infantil amplamente aclamados, que eram vendidos por meio de canais de software de computador escolar e de varejo nos EUA. O computador, que seria um dos responsáveis pelo Crash dos videogames, se tornou a redenção de Robinett em seus negócios.
No primeiro semestre de 1985, os sócios contrataram como CEO Bill Dinsmore, mas pouco tempo depois Reece Duca, sócio fundador do Grupo de Investimentos de Santa Bárbara (IGSB), tornou-se membro do Conselho de Administração da TLC e adquiriu ações de vários fundadores e firmas de capital de risco originais da empresa. Nesse período da empresa Warren se sentia bastante estressado com a carga empresarial e as dores do crescimento da TLC, decidindo parar. Ele afirma que o novo CEO estava mentindo para ele e fazendo de práticas que, segundo ele, eram reprováveis, como demitir uma pessoa no mesmo dia em que sua esposa estava dando luz a gêmeos.
Segundo Warren, foram precisos três anos para se recuperar dessa experiência. Ele já tinha ganhado dinheiro suficiente com a indústria de games, seja no mercado do entretenimento como nos jogos educacionais. Warren afirma não ter planejado tudo isso, mas o que acabou acontecendo foi um afastamento natural da indústria de jogos para dar abertura para outros projetos pessoais. Segundo ele, seria estranho uma pessoa acertar dois “home runs” consecutivos (fazendo uma metáfora do baseball com o sucesso de Adventure e dos jogos da TLC) e depois nunca mais conseguir acertar uma bola novamente. Para ele um ciclo havia se fechado definitivamente, e programar jogos ficaria no passado.
Rocky’s Boots
Rocky’s Boots, publicado em 1982 para o Apple II, foi o último jogo programado por Warren Robinett. Ganhou os prêmios Software do ano da revista Learning (1983), da revista Parent’s Choice (1983) e da revista Infoworld (1982, segundo colocado), e recebeu o Gold Award (por vender 100.000 cópias) da Software Publishers Association. Foi um dos primeiros produtos de software educacional para computadores pessoais a usar com sucesso uma simulação gráfica interativa como ambiente de aprendizagem. O jogo é considerado o precursor de games de simulação posteriores, como The Sims e Minecraft.
O jogo funcionava como uma simulação visual que possibilitava aos alunos do ensino fundamental projetar circuitos lógicos digitais simples, usando um joystick para mover os símbolos do circuito na tela e conectá-los. Voltado para crianças de 12 anos, ensinava a pensar lógica computacional de forma divertida e intuitiva, algo que Robinett achava fascinante e o ajudou como jovem a despertar a lógica básica para desenvolver suas competências para o seu futuro profissional. Após o sucesso do game que colocou a TLC no topo das empresas de programas de informática para os desejados computadores pessoais, Warren segue caminhos múltiplos, procurando colaborar mais com seu conhecimento para outros campos, envolvendo a pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Publicações
Logo depois de fundar a The Learning Company, Warren Robinett abriu uma editora, que funcionou de 1980 a 1983. Apaixonado por livros e sua forma de transcrever na linguagem textual o conhecimento, Robinett passou um ano e meio escrevendo um livro autoral. Infelizmente, com a crise dos videogames entre 1983 e 1984 foi preciso fechar as portas. Mas isso não fez Warren parar com seu desejo em escrever.
Desde 2015 Warren começou a trabalhar em um livro sobre o design do jogo Adventure. Com pretensões de ser lançado em 2016, a publicação se transformou em dois livros – um livro sobre a história técnica e um livro sobre a história política envolvendo seu maior trabalho – os títulos das obras são The Annotated Adventure (história tecnológica) e Making the Dragon (história política). Recentemente Warren afirmou para seus fãs que não pretende lançar os livros tão cedo, pois mesmo concluídos, o processo de revisão será lento.
Aventura do hoje
Nos final dos anos 80 Warren começou a envolver os seus conhecimentos em computação gráfica com a realidade virtual. Trabalhou em conjunto com a NASA contribuindo com pesquisas em 1987 no desenvolvimento do Virtual Environment Workstation, sendo um dos primeiros sistemas de realidade virtual, desenvolvido no Ames Research Center em Mountain View, Califórnia. O software para o primeiro protótipo do sistema foi desenvolvido por Robinett, trabalhando em colaboração com os cientistas da NASA Scott S. Fisher e Michael McGreevy. O dispositivo incorporou a primeira luva de interação utilizada em realidade virtual. A luva media os ângulos de flexão das articulações dos dedos e também incluia um rastreador para medir a posição e orientação da mão. Assim, a mão enluvada do usuário poderia interagir com o mundo virtual – agarrando objetos virtuais ou usando gestos com as mãos como comandos. As técnicas de interação com a luva foram concebidas e implementadas por Robinett.
Em um artigo de 1991 Warren discorreu as primeiras descrições do conceito de imagens de computação gráfica sobrepostas ao mundo real: a ideia hoje conhecida como Realidade Aumentada (RA). No artigo de Robinett, a ideia foi chamada de “visão médica de raios-X” e “imagem do espaço real”. O termo “Realidade Aumentada” foi cunhado por Tom Caudell no ano seguinte, a partir desses estudos. Em 1992 Warren desenvolveu o NanoManipulator, uma interface de realidade virtual para um microscópio com sonda de varredura que permite que um usuário humano veja, toque e manipule macromoléculas individuais.
Em 1995 Warren Robinnet desenvolveu Siege Perilous, um protótipo de videogame em RV, sob contrato com a Hasbro. Mas este sistema nunca foi lançado. Siege Perilous foi projetado para ser um jogo de aventura em RV, em um cenário medieval de cavaleiros, armaduras, lanças, arcos e flechas e feitiçaria. Infelizmente, o hardware da época era inadequado para prosperar o proejto, e o sistema foi cancelado sem nunca ter chegado ao mercado.
Trabalhou por cerca de 10 anos a partir dos anos 2000 no HP Labs, fazendo pesquisas de arquitetura de computador Trabalhando no grupo de pesquisa de Stan Williams, Robinett desenvolveu software e hardware para testar os dispositivos protótipos do grupo. Desde 2010 Warren Robinett tem como linha de pesquisa o uso de jogos de computador para ensinar matemática (especialmente álgebra) para crianças. Como contribuição para os criadores de jogos da atualidade, Warren discorre sobre os valores fundamentais ao se aprender como os jogos eram pensados ontem e hoje:
Muitas coisas sobre os videogames e a cultura que os cerca mudaram enormemente desde o lançamento de Adventure, décadas atrás, mas algumas não mudaram nada…Quero dizer, o tempo de reação humana não mudou realmente nas poucas décadas em que os videogames existem. Ainda está entre 150 milissegundos e 250 milissegundos. A acuidade visual humana não mudou. As coisas que interessam e motivam os seres humanos não mudaram.
O que Warren nos faz refletir é a capacidade inovadora do hoje para promover experiências para as pessoas que não mudaram, pelo menos no que se refere a viver e aprender. A cultura em geral evolui, muito em função de uma ressignificação dos valores, que podem passar como uma moda ou construir um enorme legado que pode ser usado com inteligência e criatividade. Foi assim com Adventure e seu projeto ousado, ou com Rocky’s Boots que afirmou o jogar como uma maneira de interagir através da essência dele: a própria diversão. Em suas palestras e entrevistas, ele fala das pessoas, o que elas fazem e da sua contribuição para que um dia possa conhece-las e produzir mais coisas inovadoras. Um fã do conhecimento, se preocupa com a transferência de legados e faz questão de contribuir com a pesquisa. Warren Robinett atualmente mora em Chapel Hill, no estado da Carolina do Norte.
Curiosidades
- As relações do livro de Ernest Cline e sua adaptação cinematográfica de Steven Spielberg, originalmente chamado Ready Player One (no Brasil chamado Jogador nº 1) vão muito além da referência do jogo Adventure e seu Easter Egg. O autor confessa em entrevistas querer homenagear o trabalho de Robinett, tornando o nome do designer de jogos conhecido pelo mundo inteiro, completando assim o merecido reconhecimento que Warren tanto se frustrava. O próprio filme envolve um universo em realidade virtual, algo que, depois do trabalho com jogos, passou a ser o foco de estudo de Warren. Muitos dizem que o personagem James Halliday, criador do jogo onde se passa a trama da história, tem algumas referências à biografia de Robinett e seus tempos como desenvolvedor de jogos na Atari. A capa original do livro possui o sprite da chave usado no jogo do Atari.
- O jovem Adam Clayton, que descobriu o Easter Egg em Adventure, se tornaria depois programador de jogos, lançando inclusive um jogo para a plataforma, chamado Dark Chambers.
Referências
Wikipedia
Site pessoal Warren Robinett
Forbes
USgamer
GDC Talks
Atari Age
Wired
Don’t Die
Atualiazado em 14/01/2021 por Daniel Gularte
Bons tempos de adventure!!!! Feliz ano novo para todos!!!! valeu