Sumário
Os atuais movimentos para a votação do Projeto de Lei (PL) de número 2796/2021 que cria o marco legal dos Jogos Eletrônicos traz dentro dela uma grande ameaça ao ecossistema dos games brasileiros. E é por causa de muitos equívocos, como redação mal feita, falta de referências, sombreamentos e agendas ocultas no discurso e desinformação disseminada por parte dos propagadores do projeto que precisamos explicar nesse artigo os motivos da pressa de certos políticos em aprovar essa pauta na esfera do Governo Federal e suas implicações para o Ecossistema de Jogos no Brasil.
Antes de começar queremos agradecer as enormes contribuições de todas as Regionais do setor de jogos do Brasil, a Abragames e instituições filiadas, às Associações Estaduais, aos especialistas e pesquisadores que estudaram, contribuíram e continuam tentando explicar para o Senado Federal e a população gamer a situação atual. Este artigo será atualizado com qualquer nova informação para dar mais contexto e esclarecimento ao público.
Quem começou a confusão
Quando um projeto de lei é concebido no Brasil existe claramente o desejo de uma parte da população, e por muitas vezes uma pequena parte dela (empresários de um determinado setor), ou pelas próprias provocações geradas pelos políticos, seja situação ou oposição, e suas agendas com esses aglomerados da sociedade civil. Como representantes públicos, os Deputados Federais podem propor projetos de lei para a aprovação na Câmara dos Deputados e posterior apreciação no Senado Federal.
Tudo começa quando o então deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil – SP), no trimestre final de 2022, apresenta um PL para regulamentar os jogos eletrônicos no Brasil. O texto inicial tem diversos problemas conceituais e, na compreensão de um ecossistema de jogos que possui eixos muito bem desenhados na Indústria, Formação e Cultura, carece de uma identidade clara dessas verticais. A falta de referencial do projeto do deputado, que afirma representar os gamers e seu setor (algo totalmente distinto e afastado da indústria como um todo), causa de partida uma enorme partição do jogo enquanto atividade social e transformadora, de mecanismo regido por regras que constrói interação, imersão e contextos de transformação pelo jogar para algo sem expressão e raso em definições, como se comparasse os jogos para quem joga e não para quem cria e estuda. Além disso, a proposta nega os jogos em seus múltiplos formatos, como os analógicos, transmidiáticos, multisensoriais e outros. Finalmente, descredita a cadeia produtiva, sequer citando seus profissionais e sua multiplicidade de contribuidores, sua cadeia de produção e estrutura de mercado, que inclusive, comunga com as práticas internacionais da Indústria e que notadamente gerou milhões em riqueza para o país.
Mesmo o Instituto Bojogá ter enviado uma solicitação ao próprio gabinete do Deputado, alertando todos os futuros riscos de uma má representação e identidade do game para beneficiar jogadores e produtores da cadeia, e imaginando que diversos outros grupos fizeram o mesmo, não houve retorno algum. Semanas depois o projeto havia sido aprovado de forma rápida, sem o consentimento e consulta da sociedade civil organizada e suas representações, tendo apenas ocorrido um breve contato de solicitação de apoio da Abragames naquela época. Após isso foi solicitado ao deputado quais fontes, pessoas e especialistas foram ouvidos para construir tão mal feito documento. Até então nenhuma entidade representativa do Brasil tinha se manifestado como contribuidora efetiva do movimento.
Invasão indevida dos games de apostas
Nesse momento, os políticos usam uma determinada estratégia, coloquialmente conhecida como “jabuti”, Lendo a versão mais recente do documento, editado após apresentação de Kim Kataguiri, a primeira e mais grosseira mudança foi adicionar o termo chamado Fantasy Game ao PL. A solicitação da inclusão desse termo no projeto foi do deputado federal e pastor Julio Cesar Ribeiro (Republicanos – DF), o post no Twitter do deputado, de 22 de outubro de 2022 (veja o link aqui), ele afirma que sua sugestão foi acatada e inserida no documento.
Fantasy Games ou Fantasy Sports são sites ou aplicativos onde um usuário monta um time ficcional e aguarda por resultados de jogos reais para pontuar. E isso logicamente não se configura um jogo, uma vez que o jogador não está comandando as suas ações e sim depende de partidas de futebol operadas por outros agentes para que os resultados se concretizem. Nesse caso, existe uma aposta em jogadas, atletas, placares e diversos outros tipos de estruturas para fazer uma predição e ganhar pontos, que podem ser trocados por prêmios ou até mesmo dinheiro. Em todos os estudos taxonômicos de jogos no mundo inteiro, bem como todos os livros de Game Studies que se tem notícia, todos afirmam que um jogo tem que depender das atitudes efetivas e esforço dos seus jogadores. Até mesmo os jogos que levam uma alta carga de sorte ou predição em suas mecânicas possuem algoritmos definidos e sistemas fechados, deixando com que o jogador possa construir as melhores estratégias para ganhar. Desse modo o Fantasy Game, mesmo tendo elementos de jogo, está muito longe de ser uma representação ao ponto de estar dentro do Marco Legal dos Games no Brasil, pois tem forte apelo nas apostas, trazendo consigo o que mais se odeia em jogos: não ser o protagonista da jornada.
Mas para além de associar uma taxonomia de jogo de aposta em uma estrutura de jogos de entretenimento, o plano dos deputados e seus aliados que inseriram os Fantasy Games no PL é de associar e literalmente usar a classificação dos jogos de videogame para chancelar o Fantasy Game como tal. Mas esse movimento privilegia o que e quem afinal? Que comunidade, fora os 75 milhões de jogadores brasileiros que jogam Super Mario, Free Fire, League of Legends, Minecraft, God of War, Forza, Fifa, e tantos outros games de multiplataformas teria um real benefício, uma vez que o Fantasy Game não é um jogo representativo do sistema? Responderemos mais adiante.
Com a aprovação na Câmara o PL foi ao senado em janeiro de 2023. O Senador Irajá Filho (PSD – TO) tomou para si como relator, na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), a pauta e sem consultar novamente toda a sociedade civil organizada procurou aprovar o projeto com brevidade. Em seus discursos, o senador afirmou que o projeto seria estratégico para os games no Brasil, mas jamais citou como isso afetaria o ecossistema com propostas objetivas, muito menos explicou porque os Fantasy Games estavam tão em destaque na matéria. Ao contrário, o senador em suas desastrosas falas dava ainda mais foco às marcas patrocinadoras, citando números e dados sem fontes e que destoam do mercado de desenvolvimento de games brasileiro.
Por diversas vezes as assessorias dos parlamentares aqui citados não conseguiram agendar um encontro com a Abragames e as regionais de jogos. Nos pedidos feitos até o final de maio, o relator insistia em dizer que já havia conversado com o setor, e continuou ignorando todos os contatos. Restou ao ecossistema se unir e usar as redes sociais para votar em massa na consulta pública como forma de protesto (veja aqui o placar), e tentar acionar outros senadores para diminuir os riscos que causariam a aprovação do PL.
Os problemas causados pelo PL
Juntando essa inaceitável comparação de Jogos Eletrônicos e Fantasy Games, aliado a um péssimo texto redigido e aprovado na Câmara, temos uma construção deturpada do entendimento do que são jogos no Brasil. Veja os principais problemas na interpretação do projeto:
- Associar jogos como tecnologia digtal pelo Fantasy Game exclui todos os outros tipos de jogos que existem fora do conceito tecnológico;
- Tipificar o esporte eletrônico com o Fantasy Game limita uma série de entendimentos e aplicações dos jogos nesse segmento, prejudicando o Esports no Brasil;
- Não é citado jogo como arte, gerando incompreensões de manifestação de artistas do setor;
- Não é citado jogo como cultura, o que ocasiona uma deturpação total da gamecultura para uma conexão com jogos de azar:
- Não se fala de tipo e classificação de jogos usada no mundo, deixando o Fantasy Game associado como forma padrão de jogos no Brasil:
- CNAE de jogos – o código nacional de atividade econômica em nenhum momento é citado no documento, o que mostra incompetência de quem escreveu o texto e de quem aprovou no conhecimento das reais necessidades do setor para o desenvolvimento da cadeia produtiva dos games,
Além disso, o Marco Legal, ao invés de nos dar uma segurança jurídica ao setor, faz o contrário: piora e confunde o entendimento do que são jogos, afetando todas as políticas atuais e futuras que envolvem jogos, como por exemplo:
- Incentivos públicos – haverá prejuízo com os incentivos atuais, podendo o setor perder o apoio da Apex, Sebrae, e muitos outros fomentos;
- Editais – Cultura, Esporte e Turismo podem deixar de entender o jogo como uma prática de entretenimento, lazer e cultura, reduzindo a prática do jogo como aposta;
- Regulação do trabalhador de jogos – a falta de compromisso do Marco Legal dos Games para com a cadeia produtiva ignora o trabalho de agentes culturais, desenvolvedores e produtores de jogos;
- Conexões transversais com profissionais: psicólogos, fisioterapetas, artistas, dubladores e muitos outros que não conseguem se enxergar dentro do PL;
- Educação – o próprio documento se anula várias vezes, não conectando as práticas educacionais com jogos e os Fantasy Games, sendo uma excrescência.
Quem ganha e quem perde com o PL
Na tentativa de compreender os reais beneficiários do PL 2796, encontramos a Associação Brasileira de Fantasy Sports (ABFS), que em seu site coloca poucos dados no Brasil e vende seu produto como um produto importado de fora. Sem apresentar as empresas filiadas, apurou-se pelos grupos formados pelos ativistas do setor de jogos brasileiros que são apenas cinco, e que os dois maiores produtos do setor são os apps Cartola FC e Rei do Pitaco. Enquanto que, no site da Associação Brasileira de Games (Abragames) é possível ver todos os números do setor, bem com centenas de empresas de criação e produção de games de todo o território nacional. A mesma Abragames que foi convidada a participar do projeto no início de sua escrita, ainda em 2021, mas depois foi silenciada após a inserção dos Fantasy Games no PL. Oficialmente a entidade, que hoje é o maior exponencial do ecossistema de games brasileiro, se manifestou em suas redes sociais repudiando o documento e exigindo ser ouvida (acompanhe o post aqui).
A compreensão mais óbvia é que criou-se uma proteção para as empresas de Fantasy Game da futura lei da Taxação dos sites da apostas, também conhecida como “lei dos bets”, que está sendo discutida nas duas casas legislativas e retomada pelo governo Lula em 2023. Com essa estratégia os apps como Cartola FC e Rei do Pitaco são as principais beneficiadas, pois sendo confundidas como jogos eletrônicos, teriam um menor imposto em sua atividade.
O espanto maior acontece quando vemos que nenhum país do mundo se desenvolveu sem políticas públicas sérias enquadrando os games como uma ferramenta de mercado, transformação digital e inclusão em diversos campos humanos. É vergonhosamente constrangedor ter no Brasil uma dissonância desse porte quando, sem nenhum motivo aparente e justificado, deputados inserem tipos de pautas que não representam o setor de jogos em um movimento que leva a crer o beneficiamento de poucas empresas, excluindo a verdadeira natureza de um Marco Legal para os Jogos Eletrônicos.
Desinformação e Luta
Temos que deixar claro o quanto de desinformação esse imbróglio gerou, prejudicando mais uma vez o debate construtivo no setor de jogos. Sendo assim, destacamos algumas fake news que estão circulando por aí a respeito do projeto:
- O PL vai diminuir os impostos de jogos no Brasil – FALSO! o PL não está vinculado a nada que mexa na tributação de alguma coisa relacionado a games (videogames, jogos, computadores, placas, acessórios, kits de desenvolvimento). Além disso, qualquer projeto que envolva mudança de tributação deverá passar por comissão própria para este fim, o que não ocorre na tramitação desse PL.
- O PL protege os games dos jogos de azar – FALSO! A muitos anos que os jogos eletrônicos, representados como Indústria no Brasil e com suas representações arcabouçadas pelas Associações de empresas e profissionais, não se relaciona com qualquer tipo de prática. Na verdade, existe uma tributação para jogos desse tipo, manufaturados ou importados, o que de nada se relaciona com a produção de games que o mundo inteiro entende como mercado (computadores, consoles, portáteis e jogos online) de entretenimento de games.
- O PL vai trazer segurança para os desenvolvedores – FALSO! Na verdade, a única forma de conseguirmos uma segurança jurídica seria com a adoção de um Código Nacional de Atividade Econômica (CNAE) próprio. Na verdade o PL traz insegurança principalmente para os diversos profissionais que trabalham na cadeia produtiva dos games, por não terem sido considerados no texto.
- O PL vai trazer vantagem para os games brasileiros – FALSO! Não existe nenhuma linha do documento que garante essa vantagem de forma objetivo e estruturada. Iniciativas como a compra de kits de desenvolvimento de jogos, definição de políticas públicas e investimentos próprios para o setor não aparecem.
- Jogo eletrônico é tecnologia e vai ser uma revolução para o Brasil – NÃO É BEM ASSIM! Essa é uma das maiores falácias do documento, que desfavorece o jogo em diversas outras camadas, como cultura, arte, board games, esports, dando fortes brechas para que os agentes do ecossistema participem de editais culturais, busca de investimento em leis de incentivo, inovação e esporte, e ainda por cima descredenciando o game enquanto ferramenta que pode ser usada nos campos da saúde, cidadania, turismo e muitos outros.
Curiosamente, todas essas notícias falsas e confusas poderiam ser muito menos difundidas se os streamers e Influenciadores brasileiros se preocupassem um pouco mais com a indústria de jogos brasileira. Tanto quem joga como quem cria conteúdos para o setor de jogos priorizam suas pautas pessoais e, portanto, não tem interesse em falar sobre esses assuntos, pois tratam diretamente com possibilidade patrocínios oriundos de sua audiência e consequentemente dos seus cliques.
Precisamos sim destacar o ativismo do setor na reprovação do projeto de lei: pessoas que estão todos os dias tentando entrar em contato com deputados, senadores e o poder público em geral para evitar que o futuro dos games brasileiros seja o pior possível. De forma alguma o povo brasileiro, feitos dos jogadores, streamers, influenciadores, estudantes, professores, pesquisadores, profissionais, empresas e gestores que sabem do poder dos jogos devem aceitar essa situação, muito menos se contentar com um documento mal formado, desde seu nascedouro, que gera interpretações difusas e desdobramentos incertos.
As lutas dos representantes de games brasileiros, notadamente o Instituto Bojogá, é democrática e legítima. Não aceitaremos a aprovação do documento, e queremos a discussão posterior de mudanças e acordos entre todas as partes interessadas. Somos os guardiões do setor de jogos e de sua memória. Contamos a mais de dez anos a história dos games e sua influência no Brasil no mundo, e não queremos escrever esse capítulo triste em nossa jornada gamística. Participe. Comente. Compartilhe. Vamos construir os games do Brasil da forma que queremos: com conhecimento e diversão. Bojogá!
Atualiazado em 20/03/2024 por Daniel Gularte
Acredito que antes de criar uma lei tem que sentir o que é jogar vídeo game, coisa que muitos políticos atuais são contra e outros dizem que determinados jogos favorece a violência!!!! Digo o mesmo para a violência em nosso País, onde só o pobre e quem anda de ônibus sabe o que é sofrer em uma parada de ònibus sem teto, levando chuva e que está sujeito a ser assaltado as 5 horas da manhã!!!! Tem que sentir na pele para entender o que é jogar video game e sofrer violência urbana, jogar video game é uma terapia e ajuda um pouco a esquecer essa loucura do dia a dia, sem contar que ao assistir um jornal da tv apenas vemos violência e políticos corruptos que fingem estar preocupado com a população!!!! Leis fracas, falta de segurança e educação precária…o básico, nossos governantes não investem ou sentem pena da população, apernas queremos o básico para tentar trabalhar e ter uma saúde digna!!!! Quando sento na frente do PC ou televisão onde ligo ou meu SNES, é aquele momento de alegria…não, seria o momento terapêutico, jogar com o intuíto de esquecer um pouco dessa hipocrisia humana dos engravatados políticos!!!! Tudo é visado em termos de lucro e retorno, fato…o que mostra essa grande preocupação em regulamentar uma lei sobre video games e Internet, os impostos estão lá…camuflado ou não, sempre estão lá!!!! Como formar profissionais da área gamer, como ajudar as crianças a terem desenvolvimento com programação e internet???? Criar uma lei tem toda uma interação com o resto, imagina se vc recebe um projeto de tal jogo onde o chefe diz que temos que respeitar as leis impostas ali, ou seja tem que fazer um jogo que não seja violento, educativo e ao mesmo tempo para adultos e crianças…tudo porque um Deputado criou uma lei com várias limitações de desenvolvimento e jogabilidade, já que muitos políticos ali não jogam vídeo game ou tentam entender a estória do jogo…vê fatalities em algum video do Youtube e já vai dando o seu veredito no jogo que todos já sabem!!!!! O país não anda por isso, a evolução fica dependente de políticos que fingem em estar preocupado com vc e no final das contas querem mesmo é que paguemos impostos…foi assim que a Nintendo foi embora do Brasil, SNK do Neo Geo e até Steve Jobs falava que tudo aqui é caro por causa dos impostos!!!! Acredito que Games, Tecnologia e Internet é a maior aliança que temos…quase tudo que vemos hoje está associado ao quesito tecnologia, infelizmente todo o meio digital tem as suas partes negativas…já que nem todos tem privilégio de ter internet em casa, quanto mais um celular!!!! Para se ter tecnologia em casa tem que ter dinheiro, para ter dinheiro tem que ter emprego e para ter emprego o empresário ali tem que ter menos imposto para investir em sua empresa e ao mesmo tempo contratar funcionários…segurança, educação e saúde para todos é o básico para se ter progresso na vida, já deixei de trabalhar a noite por falta de segurança!!!! As leis devem ser vistas como um todo sem preconceito e ao mesmo tempo fazer um plano interativo com as demais dificuldades alheias, isto é…mesclar tecnologia com as demais dificuldades que sofremos durante o dia a dia!!!! valeu!!!!