Sumário
Em nosso último artigo sobre o assunto, de junho de 2023, chamado PL 2796/2021: entenda os riscos para o setor de games, mostramos como as articulações feitas por políticos brasileiros, a partir de uma ideia de projeto do Marco Legal dos Games do Brasil, acabaram se desdobrando em uma grande onda de desinformação dentro do público gamer, onde seu texto final tem desvios de foco desfavorecendo o setor produtivo de games e adicionava o setor de apostas esportivas dentro do projeto. O resultado seria caótico se, em um movimento popular e democrático, representantes do setor de games de todo o Brasil se juntassem para frear esse movimento que iria contra os interesses da cultura, formação e principalmente da indústria de games brasileira.
A segunda parte dessa saga conta como conseguimos virar esse jogo, criando o novo Marco Legal dos Jogos Eletrônicos no Brasil, enfrentando batalhas políticas, embates de conhecimento e, claro, muita luta e um amor especial pelo nosso país, nossos jogos e pessoas trabalhadoras do ecossistema, sempre acreditando que conseguiremos uma indústria de games representativa, inclusiva e que gere renda para seus profissionais e mais diversão e transformação para seus consumidores. Trata-se de um registro histórico dos fatos ocorridos, das principais pessoas envolvidas e seus agentes públcos e privados, dos acontecimentos cronológicos e reviravoltas em um complexo jogo político, para que tenhamos esta importante parte da história do país gravada para o futuro.
O Senado escuta o setor de games
Como vimos no artigo anterior, o projeto que saiu da Câmara dos Deputados de autoria do deputado Kim Kataguiri (União Brasil – SP), político que é conhecido na comunidade por ter aproximação com o público gamer, comecou a ser elaborado em 2019 e aprovado em 2021 na Câmara. Depois passou pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) por duas vezes, onde teve parecer favorável com ajustes na redação e um grande empenho do relator em 2023, o senador Irajá Silvestre (PSD-TO), presidente desta comissão, para aprová-lo com urgência. É importante lembrar que nesta data todas as tentativas de debate e emendas por parte de representantes do setor de games brasileiro foram silenciadas e rejeitadas pelo relator do PL.
Após forte pressão popular, principalmente as Associações Regionais, Abragames e sociedade civil organizada, iniciou-se uma articulação com outros senadores sensíveis à causa do setor de games no Brasil e os impactos que uma lei mal formulada pudesse impactar principalmente na formação de crianças e jovens.
Foi montado um grupo de trabalho formado por presidentes das associações da indústria de jogos de vários Estados brasileiros, professores, pesquisadores, advogados e assessores que, em conjunto, se reuniram com diversos políticos, ministérios, secretarias e gabinetes. Esse movimento, que se concentrou principalmente em Brasília, fomentou o debate nos corredores do Senado Federal. Desde que foi aprovado pelo CAE, no início de junho de 2023, senadores, munidos de conhecimento sobre o setor a partir deste GT, apresentaram requerimentos pedindo a análise do projeto por outras seis comissões: Constituição e Justiça (CCJ), Assuntos Sociais (CAS), Educação (CE), Direitos Humanos (CDH), Comunicação e Direito Digital (CCDD) e Esporte (CEsp).
Uma das grandes divergências que geraram muita polêmica trata de mudanças feitas ao texto ainda na Câmara dos Deputados. Segundo a senadora Leila Barros (PDT-DF), que se tornou uma das representantes políticas mais atuantes do substitutivo da matéria, debatendo sobre o projeto de forma transparente com todos, o texto passou a incluir os Fantasy Games (aquelas competições de apostas feitas a partir de resultados esportivos reais) de forma a trazer problemas no PL. É preciso lembrar que essa sugestão de inclusão veio do deputado federal e pastor Julio Cesar Ribeiro (Republicanos – DF), indivíduo que não tem nenhuma identidade com a pauta do setor de games. A sugestão foi acatada em outubro de 2021, na comissão de finaças da câmara, presidida pelo então presidente da Comissão de Finanças daquela casa, o deputado Darcy de Matos.
Outro ponto polêmico levantado por Leila é a definição do que são jogos eletrônicos, para efeito do projeto e que, tanto na feitura da lei, como nas discussões, não teve participação efetiva das entidades representativas e uma profundidade que atingisse as dimensões simbólicas, econômicas e cidadãs com o PL. Deve-se registrar que segundo o próprio Kim Kataguiri, após aprovação do projeto na Câmara, e em acordo com a Abragames, sugestões foram enviadas para o senador Irajá incluir os pleitos da indústria de games, mas sem sucesso. Leia o comentário da Senadora:
O texto original tratava especificamente de jogos eletrônicos, mas que foi enviado para o Senado inclui os fantasy games. Tratam-se de coisas absolutamente distintas. Os fantasy games se assemelham a uma loteria de apostas, que já está sendo disciplinada por medida provisória [MP 182/2023]. Há também a discordância com a definição dos jogos eletrônicos como meros softwares, desconsiderando sua ligação com o setor audiovisual.
O senador Carlos Viana (Podemos-MG) citou um estudo de 2022 feito pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) sobre a relação dos jovens com os jogos eletrônicos. De acordo com ele, 28,1% dos adolescentes consultados pela pesquisa foram enquadrados no Transtorno de Jogo pela Internet (TJI), caracterizado pela relação compulsiva com a atividade:
Precisamos ter responsabilidade. O assunto é sério. Estamos falando de comportamento. O cérebro de um adolescente não consegue processar como realidade ou não e cria uma dependência. Vamos a uma discussão mais abrangente. Precisamos tomar muito cuidado porque há um lobby absurdo, silencioso, para aprovar no Brasil os jogos a qualquer custo.
Junto a esses questionamentos, os dados coletados pelo deputado Kim Kataguiri em seu PL e os destoantes desdobramentos da matéria nas casas legislativas, estava formado um debate que, aonde se via um futuro de trevas para o setor de games brasileiro, abria-se uma oportunidade de diálogo de forma democrática, transparente, e sem interferências políticas e de outros setores que não fossem o de jogos.
A Primeira grande batalha
Em 20 de setembro de 2023 aconteceu a famosa sessão temática no Senado Federal sobre os jogos eletrônicos. Este foi o primeiro real momento onde a sociedade civil organizada pôde de fato se apresentar para os políticos brasileiros e debater o tema com profundidade. Foi proposto pela senadora Leila Barros, e houve uma organização intensa do Grupo de Trabalho formado pelos representantes do setor de jogos do Brasil, organizando sua defesa, levantando dados e se preparando para um enfrentamento com os representantes dos Fantasy Games e claro, os defensores da aprovação do PL com regime de urgência. Você pode acompanhar na íntegra esse momento histórico para os games no Brasil no video abaixo:
Podemos destacar momentos interessantes no longo, mas engrandecedor debate sobre o PL do Marco Legal dos games. Primeiro, e como não deixaria de ser, houve uma pressão por parte do senador Irajá, que em sua fala, destaca que o assunto estava esgotado e debatido suficientemente, e que deveria ser urgente sua aprovação. O autor da proposta, Kim Kataguiri, do União Brasil de São Paulo, também estava presente e lhe foi concedida a fala, ondefalou sobre sua conexão com os games,e disse que o projeto exclui da definição de “jogo eletrônico” as máquinas caça-níqueis e outros jogos de azar. O deputado ressaltou que a intenção da matéria é fomentar o setor, diminuir a burocracia e promover incentivos; mas apontou que o debate tem sido prejudicado pelo que chamou de “preconceito” contra os games. Kataguiri aplaudiu o movimento do senado em debater com profundidade o tema, algo que notadamente não havia sido feito anteriormente, além de deixar aberto o apoio as mudanças propostas pelo setor de games no PL do senado.
Do lado dos defensores do Fantasy Games foi formada uma comissão formada essencialmente por advogados e empresários para defender a natureza jurídica do objeto, sua regulação, comercialização e consumo. Victor Targino de Araújo, do Instituto Brasileiro do Direito Desportivo, conduziu o debate a uma questão de lugar histórico histórico do Fantasy Game como algo antes dos jogos eletrônicos. A fala de Victor, além de inverídica, se contradiz quando ele mesmo coloca essas práticas de apostas da década de 30 como jogos de cartas. Sabidamente na história dos jogos existem board games muito mais antigos e notórios exemplos de interações sociais de jogos milenares. Portanto, Fantasy Game jamais será mais antgo do que os games em si. Ele também defendeu a regulação do Fantasy Games nos EUA, como se o modelo de negócio americano coubesse no brasileiro dentro de tantas particularidades.
Udo Seckelmann, que se intitula advogado desportivo e de jogos deteu-se a diferenciar Fantasy Games das apostas. O mais curioso é que o advogado é especialista apenas e apostas em esportes, e não possui nenhuma experiência no setor de games como um todo. Citou o Poker como exemplo e os investidores externos como meio de geração de negócios. Mais uma vez ignora a capacidade do Brasil em criar seus próprios jogos e a possibilidade de um ativo cultural.
Roberto Brasil, outro advogado e com experiência em loterias define uma estranha taxonomia de jogos, com um viés totalmente voltado para a questão da aposta, da regulação e do modo em que pessoas fazem uso desses produtos enquanto jogatina. Defendeu uma regulação própria, mas nem justificou e simplesmente colocou Fantasy Game como jogo, sem explicações elucidativas.
Rafael Marcondes, presidente da Associação Brasileira de Fantasy Games usa a natureza jurídica baseada no Ministério da Fazenda como definidora para dizer que Fantasy Game é jogo de estratégia. Insistiu na fala do Senador Portinho (que antes tinha dito, em fala infeliz, que tudo era tecnologia) para tipificar o Marco apenas pelo objeto, mas não pela cadeia econômica, criativa, social e de impacto na inovação. Mais uma vez, existe um enviezamento do discurso, ignorando as diversas capacidades, implicações e potências dos jogos em sua própria definição identitária como mídia de transformação.
Finalmente, o fundador do Rei do Pitaco, André Augusto Machado, falou exclusivamente de oportunidades financeiras para seu negócio. Uma enorme base de usuários (30 milhões) e altíssimos faturamentos. Justificou seu produto como uma camada lúdica onde o usuário se torna um treinador (que na verdade ele não é bem assim) e poderia fazer seu time dos sonhos. Em nenhum momento define jogabilidade, mecânicas que envolvem engajamento, progressão, fluxo de jogo e experiência. André se esquece que a camada narrativa existe em qualquer aplicativo, inclusive nas apostas, como o Fantasy Game, para esconder o controle sob seus jogadores. Reforça a segurança jurídica, colocando R$200 milhões em investimento na sua plataforma, mas não detalha como o aporte essencialmente favorece setores produtivos e sua cadeia criativa na indústria de jogos.
Já o grupo formado para o debate sugerindo mudanças no PL foi integrado por empresários do setor de games, pesquisadores, psicólogos, profissionais, artistas, advogados e uma diversidade de pessoas que fizeram voz junto às outras entidades governamentais. A professora Linn Alves defendeu os jogos e seus agentes produtores como os reais demandantes das políticas do setor, como o lado que realmente trará riqueza na produção intelectual, na cultura e na formação. Uma vez que estes não fossem partícipes do processo, a discussão do Marco Legal levaria o projeto a uma visão apenas de consumo.
Oksandro Odisval Gonçalves, Presidente da Associação Brasileira de Direito e Economia defendeu o lado produtivo do setor, destacando as falas de outros colegas do governo que deram voz ao setor produtivo de games. Destacou a regulação para os profissionais de jogos, que não são somente programadores, pois trabalham com inovação, educação, ciência e tecnologia.
Pedro Zambom, pesquisador de jogos e especialista em Políticas Públicas colocou a frustração de estudos de mais de uma década dentro do setor (e ainda mais que isso – o Bojogá também colabora com esses estudos com registros desde os anos 80 sobre a indústria de games no Brasil) e que não aparecem no PL. Colocou claramente o propósito dos Fantasy Sports no projeto como forma de proteger esse segmento das taxações de outra lei, das apostas esportivas, uma “jabuticaba” segundo o pesquisador que só prejudicou o debate. Citou ainda que em sua vasta experiência, dos 30 maiores sistemas econômicos no mundo, nenhum deles faz união com jogos eletrônicos e esportes de fantasia.
Márcio Filho, presidente da Associação de Desenvolvedores de Jogos Digitais do RJ (RING) teve a fala mais emocional, onde colocou a sociedade em primeiro lugar, colocando o perigo dos esportes de fantasia, como prática de apostas, não dependentes do esforço do jogador, como um mecanismo que pode gerar vício para crianças e jovens. Segundo Márcio, houve uma cooptação de setores que não são desenvolvedoras do setor e que não apoiam o PL da forma que está. Colocou historicamente como os Fantasy Games, após 15 meses de debate na Câmara, tramitou em regime de urgência e foi aprovado.
Emanuella Ribeiro Maciel, analista do Instituto Alana, focou nos direitos de crianças e adolescentes e como os padrões de design dos Fantasy Games acabam gerando perversas interações de dependência (inclusive citadas pelos advogados defensores da pauta, onde jovens passam cerca de 15 minutos nessas plataformas apenas configurando times). Isso gera uma maior propensão ao gasto financeiro com serviços pagos desses jogos e ao mesmo tempo não constrói uma habilidade ou competência relevante para esses indivíduos. Esse foi o mesmo discurso de Ivelise Fortim, professora da PUC-SP, que registra que a discussão em saber se Fantasy Game é ou não jogo é irrelevante: o que importa é a capacidade desses jogos e suas mecânicas análogas a apostas aumentarem o adoecimento mental de crianças e jovens, gerando dependência e podendo culminar na Ludopatia, podendo até destruir famílias pelo vício. Guilherme Barbosa Rodrigues, da Secretaria Nacional da Juventude também foi na mesma linha, citando as práticas e comportamentos violentos desses grupos formados pelos Fantasy Games sem regulação e responsabilidade, como é o caso de influenciadores que ganham dinheiro aliciando pessoas usando essas plataformas.
Esteban Clua, professor da UFF, destaca a questão profissional, onde um setor que tanto cresceu não é apenas formado por pessoas de tecnologia, como defendem os advogados da causa do Fantasy Game. Com poder de fala em sua formação, nega o que os defensores do Fantasy Game mais defendem, um artigo de matemática aplicada (que você pode acessar aqui) que foi avaliado por sua equipe e onde se chega à conclusão de que o estudo aborda os Fantasy Sports (não Fantasy Games como eles gostam de colocar) como um conjunto de processos e decisões que não envolvem completamente o azar, provado estatisticamente com base em coleções de dados. O pesquisador afirma que o artigo não afirma que os Fantasy Sports são jogos e como vários outros, o termo nunca é mencionado em nenhum comitê do setor de games no mundo.
Finalmente temos Rodrigo Terra, presidente da Abragames, que primeiro lembra do espírito positivo da iniciativa do deputado Kim Kataguiri em regulamentar um setor que a mais de 15 anos (na verdade é bem mais que isso) se desenvolveu por si só, mas que precisa da indução estatal, que ocorreu em indústrias no mundo todo seja no passado como atualmente. Citou o desenvolvimento econômico da cadeia produtiva do setor, distribuindo renda de forma mais qualitativa, como no caso da Finlândia, onde 3% do PIB do país vem da indústria de jogos. Cita também uma luta de 20 anos pelo CNAE do setor, tanto como atividade econômica como profissional, algo que jamais passou pelo projeto original e impensado na defesa dos advogados dos Fantasy Games, o que mostra o viés apenas de lucro pelo consumo dessas plataformas, mas não pelo que realmente importa: colocar o Brasil como pólo de games no mundo. Fez também uma leve correção sobre a fala de Kataguiri, afirmando que a Abragames havia entrado em contato com sua assessoria durante a feitura do PL enquanto ainda estava em desenvolvimento na câmara em 2021, mas também confirma o bom relacionamento de ambos em levar para frente as boas ideias para o PL no senado.
O resultado não poderia ser diferente. O requerimento de aprovação do PL foi rejeitado e deveria passar por reviões em comissões, despertando interesse dos senadores em debater melhor os impactos do projeto no Brasil. Um exemplo foi a fala do senador Eduardo Girão (PL-CE), que declarou que os Fantasy Games não são jogos eletrônicos e podem abrir portas para malefícios para crianças e jovens. Girão também afirma o “jabuti” incluído no projeto para revisão dos senadores foi desrespeitoso, e sugere emergencialmente que passasse pela Comissão de Educação do Senado. De forma dura, falou do caso das Bets (e toda mecânica perversa que trabalha esse tipo de prática) e os vícios e prejuízos causados por essas mecânicas que destroem o seio familiar da família brasileira.
O senador Flávio Arns comenta que a sessão deu mais conhecimento sobre a pauta para os presentes com as experiência, pesquisas e colaborações dadas pelos debatedores. Também cita a urgência de prosseguir os trabalhos para uma próxima etapa, uma vez que os debates mostraram claramente que as comissões e senadores que não estavam na sessão deveriam conhecer melhor as nuances do processo do PL do Marco Legal dos Jogos Eletrônicos.
Leila Barros encerrou a sessão dizendo que o debate vai continuar pelos dois lados para uma breve resolução da pauta para este importante tema para o Brasil. Uma vitória histórica do setor que abriu caminho para as discussões nas comissões temáticas.
De volta às Comissões
Como relatora do redesenho do texto PL Marco Legal dos Jogos Eletrônicos, Leila Barros, apresentou o seu parecer sobre o projeto em dezembro de 2023 durante audiência pública na Comissão de Educação (CE). A senadora retirou do texto a menção aos jogos de fantasia e acrescentou uma série de artigos para atender reivindicações do setor, além de recomendações de especialistas no tema, que brilharam nas sessões temáticas. Segundo a senadora, os Fantasy Games deveriam ser debatidos no projeto que trata das apostas esportivas de quota fixa, as chamadas “bets (PL 3.626/2023). O substitutivo da relatora também exclui máquinas caça-níqueis e outros jogos on-line da definição de jogos eletrônicos, mantendo o texto original do projeto.
O documento, que passou por todos os envolvidos no governo que tem pertinência temática dentro da temática de jogos, passou dos seus originais oito artigos para os 24 artigos do substitutivo, organizados em quatro capítulos, e incluiu questões como a criação de um código específico no Cadastro Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) para empresas desenvolvedoras de jogos eletrônicos, facilitando sua identificação e categorização econômica. Também traz a definição de empresas desenvolvedoras de jogos eletrônicos e especifica os profissionais que se enquadram na área. Originário da Câmara, o projeto inclui os jogos eletrônicos nas mesmas regras de tributação dos equipamentos de informática. Com isso, investimentos em desenvolvimento ou produção de jogos passam a ser considerados como aplicação em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PDI). A Lei de Informática (Lei 8.248, de 1991) concede crédito financeiro sobre os gastos em PDI para dedução de tributos federais.
O secretário de Regulação da Agência Nacional do Cinema (ANCINE), André Luiz de Souza Marques, o presidente da Games For Change América Latina e professor da Universidade de São Paulo (USP), Gilson Schwartz e a diretora de Esporte Amador, Lazer e Inclusão Social do Ministério do Esporte, Rejane Rodrigues, apontaram que além do potencial para crescimento econômico, a indústria dos games tem um importante impacto cultural. A essa altura a discussão estava envolvendo importantes agentes econômicos, governamentais e culturais que desenvolvem o setor de games por anos.
Como uma preocupação premente na sessão temática, o texto define a obrigação de que nos jogos eletrônicos voltados para crianças e adolescentes se adotem salvaguardas para proteger esses usuários, incluindo sistemas para processar reclamações e denúncias, fornecer informações sobre o resultado das denúncias, revisar decisões e penalidades, e garantir transparência sobre a gestão de denúncias e comunidades. Também determina que as ferramentas de compras em jogos eletrônicos devem restringir transações feitas por crianças, garantindo o consentimento dos responsáveis.
A partir daí foram momentos de muito trabalho, pesquisa e fornecimento de todo o subsídio (jurídico, histórico, econômico, cultural, formativo) por parte do Grupo de Trabalho do setor de jogos para que o documento substitutivo da Senadora representasse o setor no Brasil. Finalmente o texto final foi apresentado e aprovado na Comissão de Educação do Senado em 27 de fevereiro de 2024. Veja a sessão na íntegra:
Com a aprovação o relatório, com todos os ajustes feitos, o novo projeto teve caminho livre para sua fase final no senado: a aprovação em plenária.
Vitória no Plenário do Senado Federal
Em 13 de março de 2024, o relatório do PL foi apresentado no Plenário do Senado, que em momento histórico aprovou o O PL 2.796/2021. O novo objeto do projeto de lei regula a fabricação, a importação, a comercialização, o desenvolvimento e o uso comercial dos jogos, além de apresentar medidas para incentivar o ambiente de negócios e aumentar a oferta de capital para investimentos no setor. O novo marco define os jogos eletrônicos como programas de computador com elementos gráficos e audiovisuais com fins lúdicos, em que o usuário pode controlar a ação e interagir com a interface. A senadora Leila comenta essa conquista:
Isto aqui vai ser muito importante para o Brasil. O Brasil é um país criativo, que tem mentes brilhantes. E, olha, só para vocês terem ideia, o setor de jogos eletrônicos é o que mais se expande no setor de entretenimento mundial, com taxas de crescimento de 10% ao ano, gerando receitas, pasmem, de US$ 148 bilhões e atraindo mais de 2,4 bilhões de jogadores no mundo inteiro.
A versão final do PL 2.796/2021 engloba os dispositivos e acessórios usados para executar os games, popularmente conhecidos como consoles de mesa, além de aplicativos de celular e páginas de internet com jogos, bem como outros dispositivos. O texto aprovado exclui da definição as máquinas caça-níqueis, jogos de azar e loterias e definitivamente os jogos de fantasia. Veja a defesa do PL na íntegra:
O senador Irajá (aquele mesmo que tentou aprovar com urgência o projeto unificando os esportes de fantasia em 2023) tentou barrar a aprovação solicitando requerimentos de revisão em sua comissão, mas não evitou que o PL fosse aprovado pois a senadora Leila barrou os pedidos.O deputado Kim Kataguiri, autor da proposta, estava na sessão e acompanhou a aprovação também.
O deputado, satisfeito com a evolução do projeto e da forma que foi trabalhado pela senadora Leila, disse que levaria o PL sem nenhuma mudança para aprovação o quanto antes na Câmara dos Deputados. O próprio Kataguiri se surpreendeu com os rumos que o PL tomou, desta vez trabalhando em prol dos desenvolvedores de jogos, da cultura e do fomento criativo, impactando toda a cadeia produtiva do setor.
Kataguiri terá a missão de levar o documento para apreciação dos deputados federais. Ele está mais alinhado com todas as representações, que irão apoiar o processo, como fizeram no senado.
Principais pontos do projeto
Como vimos, o texto aprovado é um substitutivo elaborado pela relatora, a senadora Leila Barros, que aperfeiçoou o texto recebido da Câmara, ouvindo diversas contribuições. Veja os principais pontos e verdades sobre o novo PL do Marco Legal dos Jogos Eletrônicos, aprovado no senado.
- Reconhecimento do empreendedorismo inovador em jogos eletrônicos como vetor de desenvolvimento econômico, social, ambiental e cultural, isto é, o amplo ecossistema de jogos brasileiro, impactando consumidores, jogadores, agentes culturais, produtores de conteúdo, estudantes, professores, profissionais e empresas.
- Promoção da diversidade cultural e das fontes de informação, produção e programação, que estimulam a fruição da produção brasileira de games e todo o desdobramento da gamecultura enquanto memória, patrimônio, história e toda manifestação cultural dentro da lei.
- Definição dos profissionais da área de jogos eletrônicos, como o artista visual para jogos, o artista de áudio para jogos, o designer de narrativa de jogos, o designer de jogos, o programador de jogos, o testador de jogos e o produtor de jogos.
- Tratamento especial para o fomento de jogos por empresários individuais, sociedades empresariais, cooperativas, sociedades simples e microempreendedores individuais (MEI).
- A receita bruta dos desenvolvedores no ano-calendário anterior não poderá exceder R$ 16 milhões. Para empresas com menos de um ano de atividade, o texto estabelece o valor proporcional de R$ 1,3 milhão para cada mês de atividade.
- É permitido o uso de modelos de negócio inovadores para geração de produto ou serviço. Eles estão previstos na Lei 10.973, de 2004, que dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo. O tratamento especial também vale para quem se enquadrar no regime especial Inova Simples, previsto na Lei Complementar 123, de 2006. O programa é um processo simplificado de formalização do negócio que concede tratamento diferenciado às iniciativas que se autodeclaram “empresas de inovação”. O objetivo é estimular a criação, a formalização, o desenvolvimento e a consolidação de agentes indutores de avanços tecnológicos, emprego e renda.
- O PL 2.796/2021 inclui um artigo na Lei do Audiovisual (Lei 8.685, de 1993) para oferecer abatimento de 70% no Imposto de Renda devido em remessas ao exterior relacionadas à exploração de jogos eletrônicos ou licenciamentos. O benefício vale para contribuintes que investem no desenvolvimento de projetos de jogos eletrônicos brasileiros independentes.
- Na Lei Rouanet (Lei 8.313, de 1991), o texto traz dispositivos para estimular a produção ou a coprodução de jogos eletrônicos brasileiros independentes. Para a senadora Leila, o projeto pode “corrigir desequilíbrios e promover o setor de games no Brasil”.
- O investimento em desenvolvimento de jogos eletrônicos é considerado investimento em pesquisa, desenvolvimento, inovação e cultura.
- O PL 2.796/2021 considera livre a fabricação, a importação, a comercialização, o desenvolvimento e o uso comercial de jogos eletrônicos. O Estado deve fazer classificação etária indicativa dos jogos, mas não será necessária autorização para o desenvolvimento e a exploração.
- A previsão de que, na classificação etária, sejam considerados riscos relacionados ao uso de mecanismos de microtransações. As ferramentas de compras dentro dos jogos deverão garantir a restrição para transações comerciais feitas por crianças, que precisam contar com o consentimento dos responsáveis.
- Jogos voltados para crianças e adolescentes com interação entre usuários via texto, áudio ou troca de conteúdos deverão oferecer salvaguardas para proteger os usuários, como sistemas de reclamações e denúncias. Os termos de uso proibirão práticas que violem os direitos de crianças e adolescentes, e as ferramentas de supervisão e moderação parental terão que ser atualizadas periodicamente.
- Os jogos eletrônicos podem ser utilizados não apenas para entretenimento, mas para outras atividades como recreação, fins terapêuticos, treinamento, capacitação, comunicação e propaganda. Os jogos também podem ser usados em ambientes escolares para fins didáticos em conformidade com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), estabelece a proposta. De acordo com o texto, o poder público pode implementar políticas para incentivar o uso de jogos em escolas públicas por meio da Política Nacional de Educação Digital.
- O poder público deve incentivar a criação de cursos técnicos e superiores e outras formas de capacitação para a programação de jogos. Não será exigida qualificação especial ou licença estatal dos programadores e desenvolvedores de jogos. O projeto admite o trabalho de menores de idade no desenvolvimento de jogos, desde que respeitados os direitos de crianças e adolescentes e a legislação trabalhista.
O que vem por aí
As cenas do capítulo final desta saga terá, de acordo com o grupo de trabalho, um provável roteiro:
- Requerimento do deputado Kim Kataguiri para apreciação da matéria;
- Discussão no plenário;
- Aprovação na câmara dos deputados;
- Sanção presidencial;
- Articulações dos representantes de jogos no Brasil para operacionalizar o Marco Legal, atingindo a população brasileira.
Portanto, ainda temos mais uma fase a superar neste processo que segue seus ritos constitucionais. Nós do Instituto Bojogá ficamos honrados por participar de todo o processo dentro do Grupo de Trabalho do setor, compartilhando experiências, dores e lutas desde o primeiro momento que este assunto começou a tramitar na esfera governamental. Mostra que o Estado do Ceará é forte, organizado e possui referências na área de jogos a nível nacional.
Existe muita gente envolvida neste processo que está trabalhando incansavelmente para que essa história não tenha um Game Over, mas um belo final feliz. Continuamos firmes, observadores e provocadores, como sempre fizemos, em prol do setor de games do Brasil, da inovação com os jogos, da fruição cultural e da formação como elemento transformador de pessoas.
Esperamos que nosso próximo artigo possa finalmente celebrar a festa da democracia, o exercício cidadão e, como dito por todos que querem ver o Brasil como uma das maiores potências de Games do mundo, respeitando nosso tamanho, promovendo diversidade, desenvolvendo a cultura e dando oportunidades para a sociedade.
Referências
Agência do Senado Federal
Forbes
G1
Drops de Jogos
Atualiazado em 11/06/2024 por Daniel Gularte